A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

domingo, 3 de abril de 2011

Teoria do Caos


lorenz_4.gifQuando os gregos queriam se referir a um vazio abissal, usavam a palavra cháos. Caos nem sempre é uma coisa ruim. No sentido de pura desordem, realmente, pouco se pode dizer a seu favor. Mas o que o matemático James Yorke estava querendo dizer quando tomou este termo emprestado em 1975, era desordem ordenada – um padrão de organização existindo por trás da aparente casualidade. E isso é uma coisa muito boa.
lorenz_edward.jpgA “teoria do caos” – o estudo dessa desordem organizada – entrou em voga somente nos anos 80, mas suas sementes foram lançadas em 1960, quando um meteorologista do M.I.T, Edward Lorenz desenvolveu modelos computacionais dos padrões do tempo. Como todo mundo sabe, é muito difícil fazer uma previsão de tempo a longo prazo, ainda que possamos isolar muitos dos fatores que causam as mudanças. Lorenz, como outros, pensava que tudo o que era preciso para uma melhor previsão era um modelo mais abrangente. Então, escreveu um programa baseado em doze equações simples que em linhas gerais modelava os principais fatores que influenciam o tempo.
Lorenz descobriu algo surpreendente: pequenas mudanças ou pequenos erros em um par de variáveis produziam efeitos tremendamente desproporcionais. Para um período de uns dois dias, elas mal faziam diferença; mas extrapolando-se para um mês ou mais, as mudanças produziam padrões completamente diferentes. Lorenz chamou sua descoberta de “efeito borboleta”, tirado do título de artigo que ele publicou em 1979:
“Previsibilidade: pode o bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas?”
Em outras palavras: fatores insignificantes, distantes, podem eventualmente produzir resultados catastróficos imprevisíveis? Lorenz se permitiu uma pequena hipérbole porque queria dramatizar seu ponto de vista. Virtualmente todos os físicos antes dos anos 70 fixaram-se nos chamados processos “lineares” – processos em que pequenas mudanças produziam resultados proporcionalmente pequenos. Mas um grande número de fenômenos – não só na meteorologia e na física, como também na biologia, ecologia, economia, e assim por diante – não obedeciam leis lineares nem seguiam fórmulas lineares. Processos “não lineares” são aqueles em que as equações envolvem taxas variáveis de mudança, e não taxas fixas, em que as mudanças são multiplicadas, em vez de adicionadas, e pequenos desvios podem ter vastos efeitos.
O próximo passo em direção à teoria do caos foi dado nos anos 70, quando Yorke e seu amigo, o biólogo Robert May, começaram a examinar as propriedades da assim chamada “equação logística” que, entre outras coisas, fornece um modelo simples para o crescimento da população. A maneira como essa equação funciona é que os resultados vão sempre alimentando a equação de modo a se obterem novos resultados. O interessante é que, dependendo de como você utiliza um certo fator, os resultados podem se tornar altamente previsíveis ou altamente caóticos.
Mas até mesmo o caos da equação logística tem seu próprio tipo de padrão. Embora você não possa sempre prever qual será o resultado particular da equação, você sabe que ele vai cair em uma determinada faixa. (Se você fizesse um gráfico dos resultados, veria surgir um padrão ou uma tendência determinada.) Muitas outras equações se comportam de forma semelhante, produzindo o caos com uma tendência ou um modelo de organização – entre estas, estão as equações que predizem a turbulência em líquidos ou a subida e a queda dos preços do algodão.
Tais equações são o reverso da fórmula do tempo de Lorenz: até onde vão chegar os preços do algodão em um dia particular é imprevisível (ou ficaríamos todos ricos jogando no mercado de futuros); mas a história dos preços do algodão mostram uma certa ordem. O nome dado a essa ordem é “fractal”. Se você fizer um diagrama das flutuações de preço minuto a minuto, semana a semana, mês a mês e ano a ano, a tendência mostrada no diagrama mais geral (ano-a-ano) se refletirá nos diagramas mais detalhados (de mês-a-mês para baixo). Um diagrama fractal pode ser ampliado para qualquer magnificação que você quiser, e vai claramente parecer, e algumas vezes reproduzir exatamente, o padrão do quadro mais amplo.
efeito_borboleta.jpgEsse comportamento da curva do preço do algodão foi descoberto no princípio dos anos 60 pelo eclético erudito Benoit Mandelbrot. Nascido na Lituânia e educado na França, Mandelbrot nacionalizou-se americano, e trabalhava para a IBM quando descobriu que outros fenômenos também apresentavam a característica fractal dos preços do algodão – por exemplo, a distribuição de “ruídos” (erros) nas transmissões eletrônicas.
Gradualmente, Mandelbrot achou outros exemplos do mesmo comportamento, abordando até a geografia, no inovador artigo “Qual a extensão da costa britânica?” A idéia básica desse artigo é que todos os tipos de objetos naturais, a exemplo do litoral britânico, têm um grau de imprecisão que parece o mesmo não importa o quanto você se aproxime deles. Vista de um ponto distante ou examinada através de um microscópio, uma costa vai parecer igualmente irregular – de modo que, na ausência de um sinal indicador da distância em que a imagem da costa foi obtida, seria difícil, senão impossível, discernir este aspecto.
Para descrever essa irregularidade ou imprecisão recursiva, auto-reflexiva, Mandelbrot ampliou a noção da dimensão matemática. Estávamos acostumados a pensar em termos de dimensões integrais – uma linha de dimensão 1, um plano de dimensão 2, um cubo de dimensão 3. Mas Mandelbrot introduziu o conceito de dimensões fracionais – 1,3; 2,7; 12,2 – para descrever a recorrência ou imprecisão que observou nos contornos do litoral e nas curvas de preço. (Pense em uma dimensão fracional como uma medida de quanto uma linha ou uma forma consome de uma dimensão total. Quanto mais irregular uma forma, mais espaço ela consome.) Em 1975, ele cunhou o termo “fractal” para nomear essa nova geometria dimensional fracional.
A geometria fractal e o caos teriam permanecido como meras curiosidades não fosse a descoberta do físico Mitchell Feigenbaum, nos meados da década de setenta, de que muitos sistemas não-lineares, aparentemente não relacionados, comportam-se de modos claramente semelhantes. Isso sugere que deveria existir uma teoria unificada para explicar o comportamento caótico dos sistemas e equações em uma faixa ampla de setores. E foi aí que os cientistas realmente começaram a prestar atenção.
A teoria do caos é algo recente e ainda está sendo refinada. Novas aplicações estão sendo descobertas ou inventadas, artigos continuam a ser publicados, dúvidas e demonstrações alternam-se rapidamente. Apesar disso, a teoria do caos lançou alguma luz no comportamento dos sistemas, sistemas quintessenciais de líquidos fluindo, os quais são propícios a sofrer mudanças rápidas de um comportamento estável para um comportamento aparentemente caótico, no modo como a água passa de líquido fixo a líquido em ebulição, à medida que a temperatura é ligeiramente aumentada. (A 99,5 °C, a água é apenas água quente; a 100,5 °C, ela passa a mudar de estado, tornando-se gasosa.) O jargão pode ser intimidante – coisas do tipo “estranhos atratores” são difíceis de explicar. (Eles são basicamente formas que restringem curvas não reprodutíveis, se é que isso ajuda.) E idéias tais como “dimensões fracionais” tendem a parecer bizarras ou inutilmente abstratas – mas na realidade a geometria fractal tem muitas aplicações práticas.
Como salienta James Gleick em seu “popular” livro sobre o caos, medir a dimensão fractal de uma superfície metálica pode nos fornecer uma informação a respeito de sua resistência. A superfície da terra tem uma dimensão fractal, da mesma forma que os vasos sangüíneos em nosso corpo. Até o cérebro humano e sua consciência podem ter formas fractais.
Geometria fractal tem sido adotada em setores tais como General Electric, Esso e estúdios de Hollywood, grupos que não primam pelo gosto de coisas puramente teóricas.

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