A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

terça-feira, 1 de maio de 2012

A intolerância religiosa, por Drauzio Varella.


O fervor religioso é uma arma assustadora, disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso
SOU ATEU e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.
A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.
Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.
Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.
Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.
Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.
Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?
Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?
Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?
O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades.
Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.
Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.
O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.
Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.
Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.
Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.
(Folha de SP, 21/04/12)

Milagreiro Valdemiro procurou um hospital para curar seu joelho.


O milagreiro Valdemiro Santiago (foto), 48, chefe da Igreja Mundial, se submeteu no dia 21 de novembro a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein em São Paulo para resolver um problema no joelho. 

A informação é do Globo de hoje, mas um dia depois da operação um leitor anônimo postou neste blog que na rua Carneiro Leão, onde fica a sede da Mundial, em São Paulo, já corria a notícia da intervenção no joelho de Valdemiro. 

“Você [Valdemiro] cura portadores do vírus da Aids, mas não consegue curar o seu próprio joelho”, escreveu o leitor. 

Para não ser acusado do crime de charlatanismo, Valdemiro afirma constantemente que quem cura não é ele, mas Deus. O “ungido”, conforme dizem seus fiéis, além de viabilizar a cura de Aids, faz paralítico andar, cego enxergar, pessoa com câncer terminal ficar boa, defunto levantar, etc. Em dois ou três programas na TV, Valdemiro faz mais milagres do que Jesus em toda a Bíblia. 

Recentemente, em um dos seus programas, provavelmente antes da operação de seu joelho, Valdemiro disse que o “médico é importante, mas quem dá a última palavra é Deus”. 

Em seu caso, contudo, quem deu a última palavra foi um dos dois melhores hospitais do Brasil (ou outro é o Sírio Libanês), com excelentes equipes médicas e equipamentos de tecnologia avançada. É também um dos hospitais mais caros. 

A Mundial, com 4.500 templos, é a igreja pentecostal que mais tem crescido no Brasil graças aos “milagres” de Valdemiro. O Globo, na reportagem de hoje, diz que a construção de um templo para 150 mil fiéis pela Mundial mostra que a denominação ameaça a hegemonia da Igreja Universal, que possui cerca de 5.000 templos.

O jornal informou que Valdemiro mora em um condomínio de luxo em Alphaville, na região da Grande São Paulo e perto da rodovia Castelo Branco. Ali, os congestionamentos de trânsito se agravaram neste ano, mas isso não é problema para Valdemiro. Ele tem um helicóptero. Para viagens longas, usa um avião. 

Valdemiro tem vida de milionário, mas disse recentemente que isso não se deve à Mundial. “Hoje, tenho o fogão que quiser. Como o que quiser, moro onde quiser, mas não dependo dez centavos da igreja, nenhuma moeda da igreja.” Com a sua mulher, a Francileia, 46, e outro sócio, ele é dono de uma empresa de comunicação e de uma gravadora de CDs.

Além da abundância de milagres que diz proporcionar, o seu diferencial em relação a Edir Macedo, o chefe da Universal, é a criatividade para arrecadar dízimo.

Ele já inventou do trízimo (10% para o Pai, 10% para o Filho e 10% para o Espírito Santo). Na loja de sua igreja, já houve meias ungidas vendidas a R$ 153 o par, martelinho sagrado de R$ 1.000, entre outras enganações respaldadas pela Constituição que garante ao brasileiro a liberdade de acreditar no que quiser. E é o que tem sido uma brecha para charlatães.
(texto de Paulo Lopes)

terça-feira, 27 de março de 2012

a biblia e seus brilhantes concelhos


POR QUE SOMOS RELIGIOSOS & ACREDITAMOS EM DEUS?


 É mais fácil ter fé do que raciocinar em busca da verdade.
Todos nós somos ateus ou infiéis, inclusive você. Se você não acredita no conceito da existência de um deus de outra cultura, por exemplo: deuses indígenas, orientais ou antigos deuses perdidos na história, certamente você será considerado ateu ou infiel, independente de sua crença.
Por que somos religiosos? Por que há tantos deuses? Em qual você deve acreditar? Por que você deveria acreditar? Por que temos fé? Por que queremos endeusar alguém? Por que alguns querem assumir a liderança como um deus? Por que tememos deus? Você concluirá que sua crença sempre será fundamentada na época e na cultura que você está submetido, bem como ter fé e seguir uma religião é um sentimento biológico de seres que vivem em grupo.
A religiosidade é um comportamento inerente ao ser humano. É instintivo e transmitido de geração a geração independente da cultura regional. Acredito que com o aprofundamento de pesquisas genéticas chegaremos a confirmar a associação desse comportamento a um gene específico do DNA humano. A religiosidade remonta aos primórdios do surgimento do ser humano social quando o grupo necessitava de um líder forte para garantir a sobrevivência e perpetuação da espécie, por meio de um instinto básico de organização.
Tal comportamento pode ser observado em animais que vivem em grupo: lobos, leões, chimpanzés, etc. Então o animal humano não poderia ser diferente. O líder normalmente é o membro mais forte. Os demais permanecem submissos frente à liderança.
O membro alfa, o líder ou o pai ficava no poder até ser destituído por outro com melhores condições de perpetuação da espécie e proteção do grupo. A disputa muitas vezes era seguida de luta e acarretava a morte do antigo líder. As armas empregadas na disputa para a maioria das espécies eram seus dentes e garras, consequentemente o ferimento se assemelhava àquele produzido no abate para alimentação. A conclusão da disputa induz a um princípio de canibalismo.
No caso do ser humano, mesmo após um longo período de desenvolvimento da espécie, a destituição do líder com consequentes resquícios de canibalismo e cerimoniais de sacrifícios ainda podem ser observados. Algo semelhante com a expressão conhecida: “esse pão é a minha carne e esse vinho é meu sangue”, empregado nos rituais da religião cristã.
Pode-se observar em alguns animais como os chimpanzés rituais representativos da destituição do líder quando o bando caça e mata sistematicamente um membro de outra espécie de macaco. Esse comportamento nos indica um processo instintivo que mesmo sem necessidade de trocar efetivamente o líder, o bando mantém um ritual metódico.
Ainda no caso dos chimpanzés, a carne do macaco capturado no ritual é distribuída para todos os membros do grupo, incluindo as fêmeas e os filhotes. O ritual é notadamente descaracterizado de necessidades alimentares. Esse comportamento parece indicar uma forma de dividir a culpa pela destituição do líder. Assim, a nova liderança seria estabelecida com consentimento do grupo assegurando sua organização e sobrevivência.
A vida em grupo gera características de comportamentos sociais que são transmitidas de geração a geração assemelhando-se a características hereditárias. Tabus são criados e seguidos como princípio básico de legislação do grupo. Uma minoria mais forte se sobressai para que o grupo tenha uma organização coordenada. Os demais são condicionados naturalmente a aceitar a liderança. Esse condicionamento é o princípio do que entendemos como “fé”.
Submetido às perversidades da natureza, o ser humano sentia a necessidade de se proteger frente a seus medos, fraquezas, erros, limitações e falta de conhecimento. Uma liderança forte e naturalmente aceita como a de um pai se fazia necessária. Mas o pai físico não era eterno. Ele era normal e também sucumbia à natureza. À medida que a população foi aumentando, ficava cada vez mais difícil disponibilizar uma liderança física única e eficaz.
O ser humano precisava então de um pai que não errasse; que estivesse sempre disponível; que não morresse; que concedesse privilégios; que soubesse de tudo; que sempre perdoasse; que fosse único e atendesse a todos globalmente. Ou seja, o ser humano precisava de um pai perfeito que não existia fisicamente. Daí a concepção de um ser espiritual, inicialmente concebido como um símbolo do desconhecido ou totens, evoluindo até a idéia de uma figura meramente humana denominada deus. Deus é uma necessidade instintiva e ilusória. É uma criação conceitual do ser humano e não uma entidade real. O conceito existe em todas as sociedades de seres humanos, sejam elas ocidentais, orientais, ou isoladas em tribos primitivas.
A concepção natural da religiosidade e a criação do conceito de deus são causadas por:
  • Instinto de organização grupal.
  • Sofrimento natural e social.
  • Necessidade de se proteger frente aos medos, fraquezas, erros, limitações e falta de conhecimento.
  • Necessidades e desejos além da capacidade individual.
  • Necessidade de perdão aos desvios de conduta moral.
  • Medo da morte.
  • Incapacidade de planejar a própria vida.
Ao longo do processo evolutivo, a civilização passou a ter mais conhecimento sobre questões até então incompreendidas tratando-as de forma mais consciente e menos mística por meio de regras sociais estabelecidas em leis e administradas pelo novo líder: o estado. Contudo, o estado não teve e nem tem atualmente interesse em modernizar o comportamento religioso, preservando a fé, ou melhor, a submissão, conseguindo com isso controlar a população. As questões interpretadas como além do conhecimento continuam cedendo espaço para continuidade do comportamento religioso hereditário seguindo o mesmo princípio dos antepassados, porém de forma simbólica representada por “estórias” referentes ao relacionamento de antigos líderes e seus fiéis seguidores. Conceitos e dogmas são estabelecidos em escrituras e recitações atribuídas como sagradas. Nesses registros, continua-se observando o mesmo padrão de comportamento entre o líder e seu grupo: rituais de sacrifício, formulação de tabus, ressentimento pela destituição ou morte do líder e a submissão do grupo representada pelo sentimento de fé. Cada seita, ou cada seguidor formula seu próprio conceito.
No caso da religião monoteísta ocidental, a conceituação de existência atribuída a “deus” é incoerente. Os principais atributos de deus como onipotência, onisciência, onipresença e benevolência, indicando que tudo foi criado por ele e que ele é a causa primordial, leva a crer que deus seja a perfeição. Sendo assim, não faz sentido haver falhas em seu processo ou em suas criaturas. Mas as falhas existem.
Seguem algumas falhas observáveis mesmo no pequeno âmbito do conhecimento humano:
·         O sofrimento de suas criaturas não poderia existir: morte acidental ou natural, envelhecimento, doenças, fome, purgatório, inferno, etc.
·         O mal natural não poderia existir: cataclismo, criatura que come as outras (animal ou vegetal), incidentes prejudiciais a quaisquer seres, etc.
·         O mal social não poderia existir: escravização, ambição, ganância, brigas, assassinatos, estupro, roubo, discriminação, quaisquer atitudes e sentimentos que afetem a integridade física ou moral de outros seres, etc.
·         A prestação de contas de suas criaturas não poderia existir: temer o criador, pagar dízimos, implorar perdão, etc.
·         Necessidades e desejos não poderiam existir: cobiça, inveja, vontade, orações solicitando favores.
·         Qualquer forma de evolução não poderia existir. A evolução não é coerente com a perfeição. As criaturas seriam perfeitas. Não haveria mutações para adaptação ao meio ambiente. Não haveria combinação genética para aperfeiçoamento dos seres; etc.
Todas essas falhas não poderiam existir. Como existem, significa que a vida segue uma linha de evolução e seleção natural, conduzida sem interferência divina. A vida surgiu e segue suas próprias leis naturais ao acaso, indiferente à presença de um projetista criador.
Para tentar resolver a questão das “falhas”, os religiosos apresentam justificativas obviamente baseadas em suposições dentro do ponto de vista de um ser humano. A argumentação recai na atribuição de atitudes humanas a deus como: julgar, legislar, executar, punir, beneficiar e brincar com suas criaturas, em especial, com os humanos. São atitudes exclusivamente humanas concebidas dentro do nosso limite de interpretação sem fundamentação convincente. Sendo assim, foi o homem religioso que criou “um conceito de deus” a sua imagem e semelhança, esquecendo totalmente de outras formas de vida.
A necessidade de ter uma causa primordial ou um criador de tudo, incluindo o universo, não pode ser considerada uma argumentação válida para justificar a existência de deus. Além de matéria e energia, o universo possui a entidade “tempo”. Antes da existência do universo consequentemente o tempo não existia, sendo assim não há como existir um antes ou depois para projetar ou criar alguma coisa. Não há como existir causa/efeito. Dessa forma, não há como existir um deus (causa) com objetivo de criação do universo (efeito). O universo, o tempo e as leis naturais seguem seu curso sem uma causa ou necessidade de um criador, caso contrário o próprio criador deveria também ser submetido a uma causa/efeito antecedente. Apesar de tudo, se considerarmos que a própria existência do universo seja uma justificativa para que tenha havido alguma causa, essa estará muito longe de qualquer pretensão humana.
Concebido como conceito e não se enquadrando como entidade real ou fato observável, a metodologia científica de observação de fatos, questionamentos de causa / efeito, formulação de hipóteses, comprovação filosófica e histórica resulta na NÃO EXISTÊNCIA de deus.
Contudo, o conceito de deus existe, embora a partir de argumentos falsos. Porém é um conceito bem interessante para ser aplicado visando “outros objetivos”. Alguns oportunistas descobriram que a religiosidade poderia ser sistematizada gerando riqueza e poder para os mesmos, bem como servir de ferramenta para subjugar os membros de seu grupo, facilitando a imposição dos governantes.
Surgiram então as religiões dogmáticas institucionalizadas. Os dogmas são redigidos em livros ditos “sagrados” como a bíblia, tora ou alcorão formatando um sistema de conduta obrigatória baseado em tabus, fábulas e mitos, e quase nunca, em fatos. O conteúdo desses livros em si serve como prova incontestável dos conceitos de cada religião. A maioria dos seguidores acredita que neles se encontra a verdade absoluta para explicar a totalidade de suas vidas sem ser necessário questionar a lógica ou veracidade histórica. Porém, com a evolução da ciência, a interpretação literal desses livros evolui proporcionalmente, mas o instinto religioso ainda permanece.
Os judeus favorecidos que seguiam o judaísmo afirmavam que eles eram os únicos escolhidos por deus. Converter-se ao judaísmo não era fácil. Além da etnia necessária, poucos conseguiam se submeter aos dogmas de uma religião tão elitizada. Outros oportunistas aproveitaram a citação das escrituras sagradas dos judeus sobre um messias que viria nos salvar de mais um pecado genérico cometido pela humanidade. A partir daí, inventaram novas seitas como o cristianismo e islamismo, criando uma oportunidade para que os judeus de classes menos favorecidas, dissidentes e nãos judeus também entrassem no desejado reino do céu. Essas novas seitas encontraram um ambiente altamente favorável para uma rápida proliferação. O público-alvo era muito mais numeroso que a classe elitizada dos judeus, e por ser uma classe menos privilegiada com menos conhecimento, eram mais propensos a aceitarem quaisquer dogmas sem buscarem a comprovação de fatos.
Surgiram em seguida as consequências do competitivo mercado das religiões: cruzadas, guerras santas, inquisição, terrorismo, discriminação étnica religiosa, etc.
Focando o caso do Cristianismo, Jesus o Cristo, foi definido como o messias. A base da concepção religiosa segue o mesmo princípio psíquico instintivo: necessidade de um líder não físico e total submissão do grupo. Muitas pessoas se proclamaram ou foram proclamadas messias na época. O mais famoso seria aquele que representasse a perfeição. Dessa forma não seria físico, mas sim uma vontade imaginária de um líder perfeito. A concepção de sua destituição por morte, o senso de culpa gerado e o respeito pela memória do líder criaria um vínculo instintivo natural perfeito nos seguidores. Com a possibilidade de concessão de milagres e vida após a morte, qualquer um que ouvisse a estória seria convertido num fiel seguidor.
A propagação da estória foi muito rápida e convincente. Servia a vários propósitos tanto pessoais como ferramenta para o estado organizar e controlar a população. Esse é o motivo pelo qual o cristianismo tornou-se uma instituição tão forte.
Propósitos do cristianismo:
·         Assegurar uma ligação egoísta entre seres humanos e sua semelhança com deus. Jesus, o filho de deus, seria a comprovação de uma interface entre deus e os humanos.
·         Sucumbir o medo da morte. A estória da ressurreição de Jesus preenche a esperança humana de vida após a morte e reencontro com os entes mortos queridos.
·         Proporcionar uma ilusão de realização de vida. Até mesmo os pobres, os fracos e os oprimidos têm um lugar garantido no paraíso, desde que sejam seguidores da religião.
·         Proporcionar uma facilidade de superar dificuldades e necessidades por meio de milagres.
·         Submissão total dos crentes devido ao pecado de matar o suposto filho de Deus. Seguindo o mesmo princípio pecado original de Adão e Eva. Povo submisso, presta os serviços necessários, paga mais impostos, luta nas guerras e não se rebela.
As instituições religiosas tiveram seu valor no desenvolvimento humano em uma época passada. Elas podem evoluir quando fizerem as pazes com a ciência e se desligarem totalmente do estado. Na ocasião, as escrituras sagradas precisavam tentar explicar aspectos além da religiosidade sem contar com recursos tecnológicos e descobertas científicas hoje disponíveis. As normas de conduta social serviram de base para a organização social quando os estados ainda não estavam bem definidos com uma legislação humanitária.
Atualmente, o conteúdo extrarreligioso dessas escrituras encontra-se totalmente defasado e contraditório. O instinto básico de organização grupal está consolidado em leis da constituição de cada nação. As regras são claras, democráticas e dotadas de líderes capazes de administrá-las. Todos os fenômenos perceptíveis possuem explicação científica e são difundidos para toda população.
Uma nova redação, ou uma nova “reforma”, poderia acabar com as questões polêmicas que geram tanto descrédito para as instituições religiosas como o criacionismo e o fundamentalismo arraigado à política de estado. Apesar de ser difícil modificar nossos comportamentos instintivos, com esclarecimentos racionais, um processo evolutivo poderia ser desencadeado e uma nova missão para a religião poderia ser traçada visando exclusivamente o bem-estar social, a liberdade, o relacionamento harmonioso e o desenvolvimento do ser humano. Seria um processo natural, sem medo, sem repressões psicológicas que consequentemente seria seguido por toda humanidade sem competições nem restrições à liberdade. Seria uma RELIGIÃO MODERNA CLASSE MUNDIAL.
A busca pelo espiritual ou qualquer outra forma de manifestação extrafísica vai convergir os resultados a uma conclusão interessante: raciocínio e conhecimento. Essa é única forma que temos de ir além de nosso corpo alcançando aquilo que conceituamos como espírito e alma.
Consequentemente se você possuir acesso a informações e liberdade de pensamento, apesar da sua religiosidade instintiva, a fé cega em religiões dogmáticas e a idéia de deus conceitual serão sucumbidas. O conhecimento é citado na religião ocidental atual como o maior inimigo da fé. Ter fé significa: “total submissão sem questionamentos”. Conforme Sócrates concluiu: “Uma vida sem questionamentos não vale a pena ser vivida”. Infelizmente, ao abrirmos mãos desse nosso direito, estaremos perdendo:
ü  A admiração pela vida real e natural;
ü  A contemplação e o fascínio de nossa percepção e nossos sentimentos;
ü  A capacidade de impedir o mal;
ü  O prazer do sucesso em encontrar soluções para os problemas e desafios em busca do bem, do racional, da consciência, da perfeição e autorrealiazação;
ü  Enfim, a essência da própria vida.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Ø  A Bíblia Sagrada – Antigo e Novo testamento.
Ø  Alcorão Sagrado.
Ø  Alex Key – The third basic instinct.
Ø  Alfredo Bernacchi – Jesus nunca existiu; A Bíblia do Ateu; Ateu Graças a Deus.
Ø  Augusto Pasquoto – Deus no século XXI.
Ø  Bart Ehrman – O problema com deus; Quem Jesus foi e quem Jesus não foi.
Ø  Bertrand Russel – Ensaios céticos; No que acredito; Porque não sou cristão.
Ø  Bud – And man created god in his own image.
Ø  Carl Sagan – Variedades da experiência científica.
Ø  Chris Impey – Universo Vivo.
Ø  Christopher Hitchens – God is not great; The portable atheist.
Ø  Clifford Geertz  – The Interpretation Of Cultures; Anthropological Reflections on Philosophical Topics
Ø  Daniel Denett – Quebrando o encanto; Brainstorms; Tipos de mentes.
Ø  Daniel Pals – Seven Theories of Religion.
Ø  Darwin – Origem das Espécies.
Ø  David Hume – Diálogos sobre religião natural.
Ø  Desmond Morris – O Macaco Nu.
Ø  Émile Durkheim – The Elementary Forms of Religious Life 
Ø  Edward Burnett Tylor – Primitive Culture.
Ø  Evans-Pritchard – Theories of Primitive Religion.
Ø  Friedrich Engels – Karl Marx – On Religion.
Ø  G.M.Jackson – How to prove god does not exist.
Ø  Gaarder / Hellern – O livro das religiões.
Ø  Greg Vanden Berge – Did Jesus really exist?
Ø  Guy Harrison – 50 Reasons people give for believing in a god.
Ø  Hans Kung – O princípio de todas as coisas.
Ø  Ian Stewart – Será que deus joga dados?
Ø  John Bowker – Deus uma breve história.
Ø  John Hayward – The book of religions.
Ø  Jonathan Hill – As grandes questões sobre a fé.
Ø  Jorge Blaschke – Além de Osho.
Ø  José Menezes – Religião: surgimento e legitimação.
Ø  Karl Kautsky – Origens do Cristianismo.
Ø  Kenneth Humphreys – Jesus never existed.
Ø  Lou Marinoff – Pergunte a Platão; Mais Platão menos Prozac; Caminho do Meio.
Ø  Luc Ferry – Aprendendo a Viver; Depois da Religião; Tentação do cristianismo.
Ø  Marcelo Gleiser – Criação Imperfeita.
Ø  Max Weber – Sociology of Religion.
Ø  Michel Onfray – Tratado de Ateologia.
Ø  Mircea Eliade – O Sagrado e o Profano – A Essência das Religiões; Origens – História e Sentido na Religião.
Ø  Morris / Maisto – Introdução à psicologia.
Ø  Nicholas Wade – The faith instinct.
Ø  Nietzsche – Assim falou Zaratustra; Para além do bem e do mal; O anticristo.
Ø  O livro de ouro da Psicanálise – Ediouro.
Ø  Osho – Religiosidade é diferente de religião; Deus que nunca existiu; Coleção DVD.
Ø  Paolo D’Arcais – Deus existe?
Ø  Pedro Marangoni – O infinito não tem pressa.
Ø  R.D.Hood – Science is a religion.
Ø  Richard Dawkins – O Relojoeiro Cego; O Gene Egoísta; Deus um delírio; O capelão do diabo; O maior espetáculo da terra.
Ø  Robert Wright – O animal moral.
Ø  Rodney Stark / William Bainbridge – Uma teoria da religião.
Ø  Rubem Alves – Coleção completa DVD filosofia de vida.
Ø  Rudolf Otto – Naturalism And Religion
Ø  Sam Harris – A morte da fé; Letter to christian nation; Lying.
Ø  Sam Parnia – O que acontece quando morremos?
Ø  Santiago Camacho – Biografia não autorizada do Vaticano.
Ø  Seneca – Sobre a brevidade da vida.
Ø  Sigmund Freud – Totem e o Tabu; Moisés e o Monoteísmo; O futuro de uma ilusão e o Mal estar da Civilização.
Ø  Sir James George Frazer – O Ramo de Ouro.
Ø  Stephen Hawking – The Grand Design; A brief history of time; The illustrated theory of everything.
Ø  Stephen Law – Filosofia.
Ø  Steven Pinker – Tábula Rasa.
Ø  Tripicchio – Teorias da Mente.
Ø  Valdemar Angerami – Psicologia e religião.
Ø  William Arntz / Betsy Chasse – Quem somos nós.
Ø  William James – Varieties of Religious Experience; The will to believe; Meaning of truth.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Cientista afirma ter encontrado sinais de vida extraterrestre em meteorito

Artigo passará por revisão de 100 especialistas e mais de 5.000 cientistas

Candidato a alienígena: a imagem mostra o filamento encontrado por Richard Hoover dentro do meteorito. Segundo a análise feita em um microscópio eletrônico, presença de compostos orgânicos podem indicar que se trata de uma bactéria fossilizada Candidato a alienígena: a imagem mostra o filamento encontrado por Richard Hoover dentro do meteorito. Segundo a análise feita em um microscópio eletrônico, presença de compostos orgânicos podem indicar que se trata de uma bactéria fossilizada (Journal of cosmology)
O pesquisador Richard Hoover, coordenador de um grupo de astrobiologia da Nasa, anunciou ter encontrado fósseis de vida extraterrestre em fragmentos de meteoritos. A descoberta está relatada em um artigo publicado no periódico Journal of Cosmology, com acesso online livre. Segundo a revista, foram convidados 100 especialistas e 5.000 cientistas para revisar o artigo "por causa da natureza controversa da descoberta".
O anúncio cria expectativa na comunidade científica porque Hoover é um bem reputado cientista da Nasa e trabalha há muitos anos analisando material contido em meteoritos. Ele estudou fragmentos de vários tipos de meteoritos condritos carbonáceos, que podem conter níveis importantes de água e material orgânico. Nos fragmentos ele alega ter encontrado formas com aspecto de bactéria, que acredita terem se originado fora da Terra e não após a queda do meteorito no planeta.
Journal of cosmology
Prima do E.T: a bactéria Titanospirillum velox, que pode viver em ambientes hostis à vida
Prima do E.T: a bactéria Titanospirillum velox, que pode viver em ambientes hostis à vida
O principal argumento de Hoover é que os filamentos fossilizados possuem os mesmos compostos orgânicos, como carbono e enxofre, localizados nas mesmas posições de uma bactéria gigante terrestre, a Titanospirillum velox. Trata-se de uma bactéria extremófila, ou seja, que vive em ambientes bastante hostis à vida. Boa parte da pesquisa da Nasa sobre astrobiologia se baseia no estudo das formas de vida extremófilas, as principais candidatas a serem encontradas em outros planetas.
"Estas bactérias fossilizadas não são contaminantes terrestres (bactérias terrestres que possam ter contaminado o meteorito). São restos fossilizados de organismos vivos que existiram em corpos celestes similares aos deste meteoro, como cometas e luas", afirmou Hoover.
Confirmação - Estudos afirmando que os meteoritos podem conter micróbios extraterrestres não são novos e já despertaram grandes debates sobre como poderia existir vida no espaço e como e onde a vida poderia ter se originado no universo. Vários outros meteoritos encontrados pela Nasa continham traços do que poderia ser vida extraterrestre, mas nunca houve confirmação. Em dezembro do ano passado, a Nasa anunciou a descoberta de uma bactéria terrestre que se comporta como extraterrestre.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

AS FALHAS DA CRIAÇÃO DIVINA

A TERRA ANTES DO SOL

Por que deus fez a Terra primeiro e só fez o Sol no dia seguinte? (Gênesis, 1: 9-16)
Porque os criadores de deus não sabiam que a Terra não é o centro do universo.

O escriba que fez o primeiro capítulo do Gênesis disse que Yavé formou a Terra no terceiro dia da criação, e só no quarto dia criou o Sol, a Lua, e depois as estrelas.   Um planeta que gira em torno de uma estrela não poderia ter sido feito antes dela.  Mas, como disse um antigo cristão, tudo é possível para aquele que crê.  Para os hebreus, a Terra era o centro do universo. Assim, seu deus teria criado primeiro a Terra, e depois o Sol e a Lua, os "dois grandes luminares" para iluminar a Terra.  Por incrível que pareça, hoje quando sabemos que isso é um engano, ainda há bilhões de pessoas que aceitam cegamente esse conto como verdade.

OS VEGETAIS.  ANTES OU DEPOIS DO HOMEM?

No conto que abrange o capítulo 1 e os três primeiros versículos do capítulo 2 de Gênesis, a Terra já teria produzido os vegetais antes da existência do Sol, e os animais teriam sido criados no quinto e no sexto dia, sendo o homem e a mulher os últimos, estes parecidos com o criador.

O que segue é o mesmo conto da criação exposto por outro escriba, o qual parece não ter aprendido a estória dos sete dias.   Esse informou que seu deus fez a Terra e os céus, depois o homem, depois os vegetais, depois os animais, só depois de tudo, tomou uma costela do homem e fez a mulher. 

"Eis as origens dos céus e da terra, quando foram criados. No dia em que o Senhor Deus fez a terra e os céus não havia ainda nenhuma planta do campo na terra, pois nenhuma erva do campo tinha ainda brotado; porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, nem havia homem para lavrar a terra. Um vapor, porém, subia da terra, e regava toda a face da terra.  E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente.  Então plantou o Senhor Deus um jardim, da banda do oriente, no Éden; e pôs ali o homem que tinha formado.  E o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal." (Gênesis, 2: 4-9).

"Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idônea.  Da terra formou, pois, o Senhor Deus todos os animais o campo e todas as aves do céu, e os trouxe ao homem, para ver como lhes chamaria; e tudo o que o homem chamou a todo ser vivente, isso foi o seu nome.   Assim o homem deu nomes a todos os animais domésticos, às aves do céu e a todos os animais do campo; mas para o homem não se achava ajudadora idônea.  Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu; tomou-lhe, então, uma das costelas, e fechou a carne em seu lugar; e da costela que o senhor Deus lhe tomara, formou a mulher e a trouxe ao homem" (Gênesis, 2: 18-22). 

Que contradição!  Logo após dizer que os vegetais foram criados antes dos animais e o home foi o último deles, o mesmo livro chamado de "A VERDADE" diz que o deus fez o homem, depois os vegetais, e posteriormente os outros animais, entre os quais o homem não encontrou uma companhia, o levou o criador a tirar uma de suas costelas e fazer a mulher.   E deus nem fez os micróbios!  Claro, os seus criadores não sabiam da existência dos seres microscópicos.   E os crentes nem percebem isso!  

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Se Ateísmo fosse religião, seria a quarta maior do mundo, afirma estudioso

Se o ateísmo fosse uma religião, seria a quarta maior do mundo, cuja totalidade de “fiéis” fica entre 500 milhões a 750 milhões, afirma o sociólogo americano e estudioso das religiões Phil Zuckerman.  De acordo com seus cálculos, o cristianismo é a maior religião, com 2 bilhões de seguidores. Em seguida vêm o islã (1,2 bilhão) e hinduísmo (900 milhões). 


Zuckerman examinou durante seis meses dados estatísticos nacionais e internacionais de vários países para estimar a população de ateus. O que ele conseguiu, para cada país, foi uma variação percentual que em alguns casos é grande por causa das diferentes metodologias dos levantamentos. 

Ainda assim ele montou um ranking dos países com as maiores percentagens de ateus. Zuckerman detalha esses dados no livro "Sociedade sem Deus - O que as nações menos religiosas podem nos dizer a respeito da satisfação" (Society without God: What the Least Religious Nations Can Tell Us About Contentment).

Quando ele esteve no Brasil em 2008, comentou que a Dinamarca e a Suécia provam que sociedades relativamente não religiosas podem ser honestas e boas. "Eu quis que os meus conterrâneos norte-americanos soubessem disso."

Com informação do site do Atheist Alliance International e do arquivo do blog Paulopes.
Fonte: http://www.paulopes.com.br/2011/06/ateismo-e-quarta-maior-religiao-do.html#ixzz1ibsgzo63

domingo, 22 de janeiro de 2012

Esperando a Nave-Mãe

Conto pessoal, da série “Festa estranha”, com depoimentos de Rafael Arrais acerca de suas experiências espiritualistas. Baseado (ou não) em fatos reais. Os nomes usados são fictícios (exceto para pessoas públicas).
« Este conto é uma continuação direta de “Fotografando auras”
Quando subi a escada de madeira que dava na sobreloja do endereço que Inês havia me passado – a tal “casa esotérica” onde encontraria Carla e poderia iniciar meu “desenvolvimento na paranormalidade” – confesso que não estava nem um pouco assustado... Esse sempre foi o meu trunfo e minha maldição ao lidar com assuntos “do outro mundo”: minha curiosidade sempre foi muito maior do que meu temor ante o assunto.
Mas, quando cheguei na pequena sala de espera, que mais parecia de um consultório ondontológico, tive uma decepção e um temor. A decepção foi ter encontrado apenas um garoto mais ou menos da minha idade sentado numa cadeira – esperava encontrar algumas “esotéricas bonitinhas”, não nego. O temor foi devido ao ar de assombro com que o jovem me encarou, ele parecia estar com tanto medo de mim, ou de “sei lá o que” que envolvia estar naquele ambiente, que eu mesmo acabei absorvendo um pouco daquele medo para mim.
Quando ia me dirigir a ele para perguntar sobre Carla, ela abriu uma porta que dava para a única outra sala da sobreloja, e me convidou a entrar. Carla era bem mais jovem e bonita do que Inês, mas nesse caso isso era algo estranho para mim – como poderia “ela ser a guru, e a outra a assistente”? Como podem ver, eu não tinha muita experiência no ramo, somente muitos anos depois descobri que em assuntos espirituais a idade não é garantia nem documento de nada.
deveríamos estar preparados para deixar a Terra de um dia para o outro
Mas, ao menos nesse caso, tanto Inês quanto Carla pareciam estar igualmente “confusas”... Minha conversa com Carla foi tão estranha que eu hoje mal lembro exatamente sobre o que conversamos. Tudo que me lembro foi que ela eventualmente me alertou para “a chegada das naves” e para como “deveríamos estar preparados para deixar a Terra de um dia para o outro”. Aquilo me deixou tão confuso que tudo que pude fazer foi concordar com a maior parte do que ela me disse, e tentar compreender melhor se aquilo fazia algum sentido posteriormente, lendo o livro que ela me indicou... De saída, passei numa livraria próxima onde o livro estava à venda. Chama “Projeto Evacuação Mundial” e foi escrito por Ergom Abraham, que normalmente é referido como “professor Ergom”, apesar se eu não saber até hoje o que exatamente ele ensina. Por sorte, o livro é tão fantástico e absurdo, que resolvi guardá-lo para a posteridade, do contrário não poderia trazer a vocês tantos detalhes sobre ele agora. Ele está aqui do meu lado, vou citar algumas passagens:
“Este livro é carinhosamente dedicado a Todos os Membros da “L.I.V.R.E.” – Legião Intergaláctica dos Voluntários Reais Espaciais, presentes no Planeta (trecho da Dedicatória, o primeiro que se lê no livro)”.
“De Jesus o Cristo:
Deve haver paz na Terra. Deve haver fim às guerras e ao ódio entre irmãos. Os milhões que vêm de outros mundos, de galáxias distantes para ajudar a trazer Paz à Terra, têm meu firme apoio e respaldo para todos os seus esforços [...] Eu sou Sananda e esta é minha mensagem ao mundo (trecho do Prólogo, onde temos o comunicado do comandante espacial Sananda, ou seja, Jesus Cristo)”.
“Vários milhões de voluntários universais caminham sobre a Terra: estão cheios de luz, completos em sua dedicação e consagração ao Governo Celestial, à Hierarquia Solar e a Confederação Intergaláctica, na salvaguarda do planeta. Os mais elevados Concílios Celestiais decretaram que aqueles eleitos sejam pessoalmente recolhidos a Terra, temporariamente postos em uma frequência superior dentro de nosso território, para ali serem preparados física e espiritualmente para as missões e operações a serem efetuadas (trecho de uma das mensagens de Ashtar, o comandante da Nave-Mãe que virá a Terra buscar “os eleitos”)”.
“Com quase um ano de antecipação, fui informada de que regressaríamos das reuniões com o Comando, com “algo para levar e usar” [...] Algumas trarão colares, outros anéis, broches, porém todos com pedras de cristal engastadas. O que importa nesses objetos não é a forma, mas sim o fato de que sejam levados e, de algum modo, colocados sobre o corpo (depoimento da médium Eve Carney, onde alerta sobre os “presentes” que os extraterrestres lhes darão, estranhamente seriam presentes um tanto quanto “terrenos”)”.

Vamos resumir rapidamente do que se trata o livro: Os tempos “estão chegados”, uma “nova era” se aproxima e ela não trará a princípio boas notícias para nosso planeta. Grandes desastres naturais e guerras causadas pela ignorância humana vão transformar a Terra em um inferno. Porém, alguns “eleitos” e “iniciados nos mistérios do Comando Ashtar” serão selecionados para escaparam do apocalipse terreno na Nave-Mãe do Comandante Ashtar e outras naves de sua frota. A esses seres “evoluídos espiritualmente” espera-se que a esperança da raça humana persista, e que possam povoar outros mundos, ou talvez este mesmo, quando retornarem para arrumar a bagunça que os “não eleitos” tiverem causado a Terra.
Antes que me perguntem: sim, a Nave-Mãe viria fisicamente ao planeta. E o “arrebatamento” seria também físico – nada de um intercâmbio de espíritos desencarnados, conforme relatos espíritas nos trazem, seria um evento puramente FÍSICO.
não posso afirmar a priori que o Comandante Ashtar e sua Nave-Mãe não existam
Agora o que eu achei do assunto? Bem, não posso afirmar a priori que o Comandante Ashtar e sua Nave-Mãe não existam, pois a ausência da evidência não é a evidência da ausência. Além disso, como os alienígenas se comunicam através de contatos com médiuns na Terra, e como eu acredito que a mediunidade exista, não poderia negar a priori a possibilidade desse tipo de contato. Dito isso, existem obviamente vários problemas graves com a teoria de Ergom: A. Se a “evacuação mundial” será física, e não espiritual, porque até hoje nenhum seguidor de Ashtar nos trouxe uma prova física de sua existência? Não precisava ser uma de suas naves a descer em frente à Casa Branca nem nada desse tipo, bastaria um artefato, um desses “colares” e “broches” que seriam entregues, contendo quem sabe um tipo de cristal inexistente na Terra. Mas não há nenhum tipo de evidência física.
B. Se “os tempos são chegados” e é preciso que as pessoas tenham fé na vinda da Nave-Mãe, para que sejam salvas, porque então não trazer uma evidência física? Esse tipo de coisa traria muito mais seguidores, muitos mais “candidatos à salvação”, do que apenas mensagens mediúnicas publicadas em livros esotéricos.
C. Porque diabos Jesus Cristo, ou o Comandante Sananda, sendo o regente interplanetário deste setor da galáxia (incluindo a Terra), iria simplesmente enviar uma nave para resgatar alguns poucos eleitos? Porque não enviar uma nave que pudesse trazer a tecnologia necessária para salvar a Terra das catástrofes vindouras? Porque não descer ele mesmo nessa nave, ou quem sabe o Comandante Ashtar, para que pudessem instruir nossos governos ao que deveria ser feito para salvar o planeta? Porque, enfim, deixar bilhões morrerem (incluindo os animais que não tem nada a ver com a história), para salvar alguns milhares?
D. Porque toda essa história se parece tanto com a crença bíblica de Céu e Inferno? Há no livro inúmeras referências ao “apocalipse bíblico” e as “muitas moradas” relatadas por Jesus... Mas, se toda essa história é apenas uma “versão futurista” do mito do fim do mundo, caímos de volta na fragilidade de muitas de suas afirmações. Eu poderia me estender sobre isso aqui, mas creio que basta lembrar de uma coisa: “Como poderemos ser nalguma felizes no Céu sabendo que boa parte dos seres da Terra, incluindo amigos próximos e familiares, estarão ardendo em um Lago de Enxofre?”.
A minha ideia de Céu não se parece com um Reino de Ócio nem com um “planeta novo a nossa espera”... O Céu se faz quando todos os seres se amam e auxiliam mutuamente. No Céu só poderemos entrar de mãos dadas, e se nalgum dia chegarmos lá antes de nossos irmãos, tudo o que desejaríamos seria retornar e ajudar os que aqui ficaram – pois isso seria a atitude natural de um ser amoroso.
Então, eu sinto muito, Ergom, e eu sinto muito, Comandante Ashtar, mas se quiserem pousar sua Nave-Mãe e “salvar seus eleitos”, que sejam bem vindos. Mas eu, eu ficarei. Ficarei para ajudar o planeta... E acho que isso resume o que tinha para dizer acerca do “Projeto Evacuação Mundial”.
Nunca mais voltei aquela “casa esotérica”, mas tem uma coisa que não me foge a memória... O garoto, o pobre garoto... Será que ele vive até hoje angustiado, esperando pela Nave-Mãe que não chega? Será que ele realmente se acha um paranormal?
Também não me perguntem o que o Comando Ashtar tem a ver com as fotografias Kirlian, até hoje não descobri... Felizmente, no entanto, nem todas as minhas festas estranhas foram tão sem sentido.

Isto não é o nada, parte 2





Está na hora de eu dar minha opinião sobre tudo isso... Apesar de admirar o pensamento de todos os autores citados acima – incluindo dos que discordo –, penso que ainda há uma forma de resumir estas questões da unificação fundamental, do surgimento da vida e do paradoxo de ainda não termos encontrado nenhum sinal de vida inteligente neste Cosmos tão grande.
Este é o problema, o paradoxo, e também a solução – ele é grande, muito grande, talvez não muito diferente, na prática, do infinito. Quando os cientistas descobriram a radiação de fundo cósmica, uma das maiores comprovações experimentais da teoria do Big Bang, também se depararam com um grande problema: como explicar como ela era tão homogênea?
Isto foi resolvido pela teoria do físico Alan Guth. A sua idéia é que, na aurora do tempo, o espaço inflou com uma velocidade absurdamente grande. Dois pontos que, inicialmente, eram vizinhos, durante a expansão ultra-rápida se distanciaram mais rapidamente do que a velocidade da luz. Para que o mecanismo funcionasse e pudesse explicar a geometria cósmica e a homogeneidade da matéria, e expansão tinha de ser exponencialmente rápida. Por isso, sua teoria ficou conhecida como Inflação Cósmica. Atualmente esta teoria é aceita pela grande maioria dos cientistas.
Uma das conseqüências da Inflação é o conceito de horizonte cósmico... Sabemos que nada material viaja mais rápido do que a luz, entretanto, durante a Inflação, o próprio tecido do espaço-tempo “inflou” de forma mais rápida do que a luz! Isso significa que existe um horizonte até onde podemos enxergar o universo – e além dele há o “universo desconhecido”, além do alcance da luz do nosso lado, do nosso horizonte, como uma América que jamais poderá ser alcançada por Colombo.
Diante dessas informações, eu muitas vezes me pergunto, ou melhor, me vejo fazendo a seguinte pergunta aos cientistas: “Meus caros, que parte do infinito vocês não entenderam?”
Os cientistas procuram por agulhas no palheiro cósmico, e ao não encontrá-las ficam algo inquietos e angustiados... Para os que seguem a bíblia, como Heeren, isso só pode significar que Deus escolheu mesmo apenas aquele povo perdido num deserto da terceira pedra do Sol, na periferia de uma dentre trilhões de galáxias; Para os céticos desiludidos com a busca pela unificação na ciência, ou pela busca da “vida abundante” no Cosmos, isso só pode significar que somos um raríssimo acidente em meio a um universo caótico e hostil; Ainda para outros, talvez mais moderados, isso tão somente significa que o Cosmos é grande, realmente grande – mas quão grande?
É aí que o infinito entra para bagunçar com todas as teorias e crenças de tantas mentes brilhantes. O infinito não se equaciona, está além da matemática e talvez mesmo além de nossa racionalidade... Mesmo assim, ainda é possível tentar vislumbrá-lo pela lógica, tal qual arriscou o grande Benedito Espinosa.
Em sua “Ética” (Ed. Autêntica), Espinosa analisa a questão da criação, do “porque existe algo e não nada?”. Podem acusá-lo de ser mais um “sonhador da unidade fundamental de todas as coisas” – tal qual o faz Marcelo Gleiser com certa propriedade –, mas apenas acusar não basta: é preciso resolver a questão, é preciso encarar ao infinito face a face. E até hoje, que me desculpem os seguidores da bíblia e cientistas céticos, dentre todas as teorias acima citadas, somente ele avançou efetivamente nesta questão.
Se algo não surge do nada, nem mesmo flutuações quânticas no vácuo, nem mesmo um espaço vazio ou um pensamento, então há que existir algo de incriado, algo de eterno. Espinosa o chamou de Substância, “a Substância que não poderia criar a si mesma”... Ora, como sabemos que espaço e tempo estão intimamente conectados, falar em eternidade é falar em infinito.
Comparativamente, o núcleo de um átomo em relação à órbita de seus elétrons corresponderia a um pequeno inseto no centro de um estádio de futebol, uma mosca no meio do Maracanã. O resto é espaço vazio, ou preenchido por alguma parte dos 96% de matéria ou energia escura que não interagem com a luz e, portanto, jamais foram detectados pela ciência – postula-se sua existência pela observação do movimento das galáxias, na media em que falta bastante matéria para explicá-lo.
Seguindo nesse pensamento, sabemos que apenas em nosso horizonte cósmico existem mais estrelas (sóis como o nosso, cheias de planetas à volta) do que grãos de areia em todas as praias da Terra! E mesmo que nem uma única forma de vida exista em torno desses trilhões e trilhões de sóis, lembrem-se de que estamos falando apenas de nosso horizonte, de até onde nossa luz pode chegar. No “universo desconhecido” temos praticamente um infinito de possibilidades. É muito difícil afirmar qualquer coisa do tipo “não existe vida fora da Terra” ante à tal infinito.
Procuramos por agulhas num palheiro cósmico, mas não devemos esmorecer se a busca tem se mostrado árdua... Não devemos esmorecer ante o infinito, pois ele é tudo o que há, ele é a Substância que abarca a todos nós. Procuramos por versões conscientes dessa Substância, mas por vezes esquecemos que também somos formados por ela, que também estamos encharcados desse mar por todos os lados.
Por mais rara que seja a vida na Terra, ela não se compara à raridade da simples existência de tudo o que há. Como os 4% da matéria que interage com a luz, ou como a ínfima quantidade de elementos pesados que possibilitam a vida como a conhecemos em meio a um oceano de hélio e hidrogênio, somos tão raros quanto a própria Substância. E mesmo que sejamos poucos na Terra, nos confins de nosso horizonte cósmico e além, certamente seremos muitos – tantos quanto às estrelas em meio ao infinito.
Da próxima vez que se angustiarem com a escuridão da noite, com a idéia do nada e da morte vindoura, lembrem-se de que também temos tantos neurônios em nosso cérebro quanto estrelas no céu, lembrem-se de tudo isso que nos lembramos, e pensamos, e sentimos, e intuímos. Lembrem-se e afirmem para si mesmos:
Isto não é o nada.
***
Crédito das imagens: Silent World

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Quem escreveu a Bíblia?

A história de Deus foi escrita pelos homens. Mas quem é o autor do livro mais influente de todos os tempos? As respostas são surpreendentes - e vão mudar sua maneira de ver as Escrituras

por José Francisco Botelho

Fonte: http://super.abril.com.br/religiao/quem-escreveu-biblia-447888.shtml

Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão. Durante os 1 000 anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best seller de todos os tempos: a Bíblia. Ela apresentou uma teoria para o surgimento do homem, trouxe os fundamentos do judaísmo e do cristianismo, influenciou o surgimento do islã, mudou a história da arte – sem a Bíblia, não existiriam os afrescos de Michelangelo nem os quadros de Leonardo da Vinci – e nos legou noções básicas da vida moderna, como os direitos humanos e o livre-arbítrio. Mas quem escreveu, afinal, o livro mais importante que a humanidade já viu? Quem eram e o que pensavam essas pessoas? Como criaram o enredo, e quem ditou a voz e o estilo de Deus? O que está na Bíblia deve ser levado ao pé da letra, o que até hoje provoca conflitos armados? A resposta tradicional você já conhece: segundo a tradição judaico-cristã, o autor da Bíblia é o próprio Todo-Poderoso. E ponto final. Mas a verdade é um pouco mais complexa que isso.
A própria Igreja admite que a revelação divina só veio até nós por meio de mãos humanas. A palavra do Senhor é sagrada, mas foi escrita por reles mortais. Como não sobraram vestígios nem evidências concretas da maioria deles, a chave para encontrá-los está na própria Bíblia. Mas ela não é um simples livro: imagine as Escrituras como uma biblioteca inteira, que guarda textos montados pelo tempo, pela história e pela fé. Aliás, o termo “Bíblia”, que usamos no singular, vem do plural grego ta biblia ta hagia – “os livros sagrados”. A tradição religiosa sempre sustentou que cada livro bíblico foi escrito por um autor claramente identificável. Os 5 primeiros livros do Antigo Testamento (que no judaísmo se chamam Torá e no catolicismo Pentateuco) teriam sido escritos pelo profeta Moisés por volta de 1200 a.C. Os Salmos seriam obra do rei Davi, o autor de Juízes seria o profeta Samuel, e assim por diante. Hoje, a maioria dos estudiosos acredita que os livros sagrados foram um trabalho coletivo. E há uma boa explicação para isso.
As histórias da Bíblia derivam de lendas surgidas na chamada Terra de Canaã, que hoje corresponde a Líbano, Palestina, Israel e pedaços da Jordânia, do Egito e da Síria. Durante séculos acreditou-se que Canaã fora dominada pelos hebreus. Mas descobertas recentes da arqueologia revelam que, na maior parte do tempo, Canaã não foi um Estado, mas uma terra sem fronteiras habitada por diversos povos – os hebreus eram apenas uma entre muitas tribos que andavam por ali. Por isso, sua cultura e seus escritos foram fortemente influenciadas por vizinhos como os cananeus, que viviam ali desde o ano 5000 a.C. E eles não foram os únicos a influenciar as histórias do livro sagrado.
As raízes da árvore bíblica também remontam aos sumérios, antigos habitantes do atual Iraque, que no 3o milênio a.C. escreveram a Epopéia de Gilgamesh. Essa história, protagonizada pelo semideus Gilgamesh, menciona uma enchente que devasta o mundo (e da qual algumas pessoas se salvam construindo um barco). Notou semelhanças com a Bíblia e seus textos sobre o dilúvio, a arca de Noé, o fato de Cristo ser humano e divino ao mesmo tempo? Não é mera coincidência. “A Bíblia era uma obra aberta, com influências de muitas culturas”, afirma o especialista em história antiga Anderson Zalewsky Vargas, da UFRGS.
Foi entre os séculos 10 e 9 a.C. que os escritores hebreus começaram a colocar essa sopa multicultural no papel. Isso aconteceu após o reinado de Davi, que teria unificado as tribos hebraicas num pequeno e frágil reino por volta do ano 1000 a.C. A primeira versão das Escrituras foi redigida nessa época e corresponde à maior parte do que hoje são o Gênesis e o Êxodo. Nesses livros, o tema principal é a relação passional (e às vezes conflituosa) entre Deus e os homens. Só que, logo no começo da Beeblia, já existiu uma divergência sobre o papel do homem e do Senhor na história toda. Isso porque o personagem principal, Deus, é tratado por dois nomes diferentes.
Em alguns trechos ele é chamado pelo nome próprio, Yahweh – traduzido em português como Javé ou Jeová. É um tratamento informal, como se o autor fosse íntimo de Deus. Em outros pontos, o Todo-Poderoso é chamado de Elohim, um título respeitoso e distante (que pode ser traduzido simplesmente como “Deus”). Como se explica isso? Para os fundamentalistas, não tem conversa: Moisés escreveu tudo sozinho e usou os dois nomes simplesmente porque quis. Só que um trecho desse texto narra a morte do próprio Moisés. Isso indica que ele não é o único autor. Os historiadores e a maioria dos religiosos aceitam outra teoria: esses textos tiveram pelo menos outros dois editores.
Acredita-se que os trechos que falam de Javé sejam os mais antigos, escritos numa época em que a religiosidade era menos formal. Eles contêm uma passagem reveladora: antes da criação do mundo, “Yahweh não derramara chuva sobre a terra, e nem havia homem para lavrar o solo”. Essa frase, “não havia homem para lavrar o solo”, indica que, na primeira versão da Bíblia, o homem não era apenas mais uma criação de Deus – ele desempenha um papel ativo e fundamental na história toda. “Nesse relato, o homem é co-criador do mundo”, diz o teólogo Humberto Gonçalves, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, no Rio Grande do Sul.
Pelo nome que usa para se referir a Deus (Javé), o autor desses trechos foi apelidado de Javista. Já o outro autor, que teria vivido por volta de 850 a.C., é apelidado de Eloísta. Mais sisudo e religioso, ele compôs uma narrativa bastante diferente. Ao contrário do Deus-Javé, que fez o mundo num único dia, o Deus-Elohim levou 6 (e descansou no 7o). Nessa história, a criação é um ato exclusivo de Deus, e o homem surge apenas no 6o dia, junto aos animais.
Tempos mais tarde, os dois relatos foram misturados por editores anônimos – e a narrativa do Eloísta, mais comportada, foi parar no início das Escrituras. Começando por aquela frase incrivelmente simples e poderosa, notória até entre quem nunca leu a Bíblia: “E, no início, Deus criou o céu e a terra...”
Ahura Mazda x Arimã
Em 589 a.C., Jerusalém foi arrasada pelos babilônios, e grande parte da população foi aprisionada e levada para o atual Iraque. Décadas depois, os hebreus foram libertados por Ciro, senhor do Império Persa – um conquistador “esclarecido”, que tinha tolerância religiosa. Aos poucos, os hebreus retornaram a Canaã – mas com sua fé transformada. Agora os sacerdotes judaicos rejeitavam o politeísmo e diziam que Javé era o único e absoluto deus do Universo. “O monoteísmo pode ter surgido pelo contato com os persas – a religião deles, o masdeísmo, pregava a existência de um deus bondoso, Ahura Mazda, em constante combate contra um deus maligno, Arimã. Essa noção se reflete até na idéia cristã de um combate entre Deus e o Diabo”, afirma Zalewsky, da UFRGS.
A versão final do Pentateuco surgiu por volta de 389 a.C. Nessa época, um religioso chamado Esdras liderou um grupo de sacerdotes que mudaram radicalmente o judaísmo – a começar por suas escrituras. Eles editaram os livros anteriores e escreveram a maior parte dos livros Deuteronômio, Números, Levítico e também um dos pontos altos da Bíblia: os 10 Mandamentos. Além de afirmar o monoteísmo sem sombra de dúvidas (“amarás a Deus acima de todas as coisas” é o primeiro mandamento), a reforma conduzida por Esdras impunha leis religiosas bem rígidas, como a proibição do casamento entre hebreus e não-hebreus. Algumas das leis encontradas no Levítico se assemelham à ética moderna dos direitos humanos: “Se um estrangeiro vier morar convosco, não o maltrates. Ama-o como se fosse um de vós”.
Outras passagens, no entanto, descrevem um Senhor belicoso, vingativo e sanguinário, que ordena o extermínio de cidades inteiras – mulheres e crianças incluídas. “Se a religião prega a compaixão, por que os textos sagrados têm tanto ódio?”, pergunta a historiadora americana Karen Armstrong, autora de um novo e provocativo estudo sobre a Bíblia. Para os especialistas, a violência do Antigo Testamento é fruto dos séculos de guerras com os assírios e os babilônios. Os autores do livro sagrado foram influenciados por essa atmosfera de ódio, e daí surgiram as histórias em que Deus se mostra bastante violento e até cruel. Os redatores da Bíblia estavam extravasando sua angústia.
Por volta do ano 200 a.C., o cânone (conjunto de livros sagrados) hebraico já estava finalizado e começou a se alastrar pelo Oriente Médio. A primeira tradução completa do Antigo Testamento é dessa época. Ela foi feita a mando do rei Ptolomeu 2o em Alexandria, no Egito, grande centro cultural da época. Segundo uma lenda, essa tradução (de hebraico para grego) foi realizada por 72 sábios judeus. Por isso, o texto é conhecido como Septuaginta. Além da tradução grega, também surgiram versões do Antigo Testamento no idioma aramaico – que era uma espécie de língua franca do Oriente Médio naquela época.
Dois séculos mais tarde, a Bíblia em aramaico estava bombando: ela era a mais lida na Judéia, na Samária e na Galiléia (províncias que formam os atuais territórios de Israel e da Palestina). Foi aí que um jovem judeu, grande personagem desta história, começou a se destacar. Como Sócrates, Buda e outros pensadores que mudaram o mundo, Jesus de Nazaré nada deixou por escrito – os primeiros textos sobre ele foram produzidos décadas após sua morte.
E o cristianismo já nasceu perseguido: por se recusarem a cultuar os deuses oficiais, os cristãos eram considerados subversivos pelo Império Romano, que dominava boa parte do Oriente Médio desde o século 1 a.C. Foi nesse clima de medo que os cristãos passaram a colocar no papel as histórias de Jesus, que circulavam em aramaico e também em coiné – um dialeto grego falado pelos mais pobres. “Os cristãos queriam compreender suas origens e debater seus problemas de identidade”, diz o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Para fazer isso, criaram um novo gênero literário: o evangelho. Esse termo, que vem do grego evangélion (“boa-nova”), é um tipo de narrativa religiosa contando os milagres, os ensinamentos e a vida do Messias.
A maioria dos evangelhos escritos nos séculos 1 e 2 desapareceu. Naquela época, um “livro” era um amontoado de papiros avulsos, enrolados em forma de pergaminho, podendo ser facilmente extraviados e perdidos. Mas alguns evangelhos foram copiados e recopiados à mão, por membros da Igreja. Até que, por volta do século 4, tomaram o formato de códice – um conjunto de folhas de couro encadernadas, ancestral do livro moderno. O problema é que, a essa altura do campeonato, gerações e gerações de copiadores já haviam introduzido alterações nos textos originais – seja por descuido, seja de propósito. “Muitos erros foram feitos nas cópias, erros que às vezes mudaram o sentido dos textos. Em certos casos, tais erros foram também propositais, de acordo com a teologia do escrivão”, afirma o padre e teólogo Luigi Schiavo, da Universidade Católica de Goiás. Quer ver um exemplo?
Sabe aquela famosa cena em que Jesus salva uma adúltera prestes a ser apedrejada? De acordo com especialistas, esse trecho foi inserido no Evangelho de João por algum escriba, por volta do século 3. Isso porque, na época, o cristianismo estava cortando seu cordão umbilical com o judaísmo. E apedrejar adúlteras é uma das leis que os sacerdotes-escritores judeus haviam colocado no Pentateuco. A introdução da cena em que Jesus salva a adúltera passa a idéia de que os ensinamentos de Cristo haviam superado a Torá – e, portanto, os cristãos já não precisavam respeitar ao pé da letra todos os ensinamentos judeus.
A julgar pelo último livro da Bíblia cristã, o Apocalipse (que descreve o fim do mundo), o receio de ter suas narrativas “editadas” era comum entre os autores do Novo Testamento. No versículo 18, lê-se uma terrível ameaça: “Se alguém fizer acréscimos às páginas deste livro, Deus o castigará com as pragas descritas aqui”. Essa ameaça reflete bem o clima dos primeiros séculos do cristianismo: uma verdadeira baderna teológica, com montes de seitas defendendo idéias diferentes sobre Deus e o Messias. A seita dos docetas, por exemplo, acreditava que Jesus não teve um corpo físico. Ele seria um espírito, e sua crucificação e morte não passariam – literalmente – de ilusão de ótica. Já os ebionistas acreditavam que Jesus não nascera Filho de Deus, mas fora adotado, já adulto, pelo Senhor. A primeira tentativa de organizar esse caos das Escrituras ocorreu por volta de 142 – e o responsável não foi um clérigo, mas um rico comerciante de navios chamado Marcião.
A Bíblia segundo Marcião
Ele nasceu na atual Turquia, foi para Roma, converteu-se ao cristianismo, virou um teólogo influente e resolveu montar sua própria seleção de textos sagrados. A Bíblia de Marcião era bem diferente da que conhecemos hoje. Isso porque ele simpatizava com uma seita cristã hoje desaparecida, o gnosticismo. Para os gnósticos, o Deus do Velho Testamento não era o mesmo que enviara Jesus – na verdade, as duas divindades seriam inimigas mortais. O Deus hebraico era monstruoso e sanguinário, e controlava apenas o mundo material. Já o universo espiritual seria dominado por um Deus bondoso, o pai de Jesus. A Bíblia editada por Marcião continha apenas o Evangelho de João, 11 cartas de Paulo e nenhuma página do Velho Testamento. Se as idéias de Marcião tivessem triunfado, hoje as histórias de Adão e Eva no paraíso, a arca de Noé e a travessia do mar Vermelho não fariam parte da cultura ocidental. Mas, por volta de 170, o gnosticismo foi declarado proibido pelas autoridades eclesiásticas, e o primeiro editor da Bíblia cristã acabou excomungado.
Roma, até então pior inimiga dos cristãos, ia se rendendo à nova fé. Em 313, o imperador romano Constantino se aliou à Igreja. Ele pretendia usar a força crescente da nova religião para fortalecer seu império. Para isso, no entanto, precisava de uma fé una e sólida. A pressão de Constantino levou os mais influentes bispos cristãos a se reunirem no Concílio de Nicéia, em 325, para colocar ordem na casa de Deus. Ali, surgiu o cânone do cristianismo – a lista oficial de livros que, segundo a Igreja, realmente haviam sido inspirados por Deus.
“A escolha também era política. Um grupo afirmou seu poder e autoridade sobre os outros”, diz o padre Luigi. Esse grupo era o dos cristãos apostólicos, que ganharam poder ao se aliar com o Império Romano. Os apostólicos eram, por assim dizer, o “partido do governo”. E por isso definiram o que iria entrar, ou ser eliminado, das Escrituras.
Eles escolheram os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João para representar a biografia oficial de Cristo, enquanto as invenções dos docetas, dos ebionistas e de outras seitas foram excluídas, e seus autores declarados hereges. Os textos excluídos do cânone ganharam o nome de “apócrifos” – palavra que vem do grego apocrypha, “o que foi ocultado”. A maioria dos apócrifos se perdeu – afinal de contas, os escribas da Igreja não estavam interessados em recopiá-los para a posteridade. Mas, com o surgimento da arqueologia, no século 19, pedaços desses textos foram encontrados nas areias do Oriente Médio. É o caso de um polêmico texto encontrado em 1886 no Egito. Ele é assinado por uma certa “Maria” que muitos acreditam ser a Madalena, discípula de Jesus, presente em vários trechos do Novo Testamento. O evangelho atribuído a ela é bem feminista: Madalena é descrita como uma figura tão importante quanto Pedro e os outros apóstolos. Nos primórdios do cristianismo, as mulheres eram aceitas no clero – e eram, inclusive, consideradas capazes de fazer profecias. Foi só no século 3 que o sacerdócio virou monopólio masculino, o que explicaria a censura da apóstola e seu testemunho. Aliás, tudo indica que Madalena não foi prostituta – idéia que teria surgido por um erro na interpretação do livro sagrado. No ano 591, o papa Gregório fez um sermão dizendo que Madalena e outra mulher, também citada nas Escrituras e essa sim ex-pecadora, na verdade seriam a mesma pessoa (em 1967, o Vaticano desfez o equívoco, limpando a reputação de Maria).
Na evolução da Bíblia, foram aparecendo vários trechos machistas – e suspeitos. É o caso de uma passagem atribuída ao apóstolo Paulo: “A mulher aprenda (...) com toda a sujeição. Não permito à mulher que ensine, nem que tenha domínio sobre o homem (...) porque Adão foi formado primeiro, e depois Eva”. É provável que Paulo jamais tenha escrito essas palavras – porque, na época em que ele viveu, o cristianismo não pregava a submissão da mulher. Acredita-se que essa parte tenha sido adicionada por algum escriba por volta do século 2.
Constantino

Após a conversão do imperador Constantino, o eixo do cristianismo se deslocou do Oriente Médio para Roma. Só que, para completar a romanização da fé, faltava um passo: traduzir a palavra de Deus para o latim. A missão coube ao teólogo Eusebius Hyeronimus, que mais tarde viria a ser canonizado com o nome de são Jerônimo. Sob ordens do papa Damaso, ele viajou a Jerusalém em 406 para aprender hebraico e traduzir o Antigo e o Novo Testamento. Não foi nada fácil: o trabalho durou 17 anos.
Vulgata
Daí saiu a Vulgata, a Bíblia latina, que até hoje é o texto oficial da Igreja Católica. Essa é a Bíblia que todo mundo conhece. “A Vulgata foi o alicerce da Igreja no Ocidente”, explica o padre Luigi. Ela é tão influente, mas tão influente, que até seus erros de tradução se tornaram clássicos. Ao traduzir uma passagem do Êxodo que descreve o semblante do profeta Moisés, são Jerônimo escreveu em latim: cornuta esse facies sua, ou seja, “sua face tinha chifres”. Esse detalhe esquisito foi levado a sério por artistas como Michelangelo – sua famosa escultura representando Moisés, hoje exposta no Vaticano, está ornada com dois belos corninhos. Tudo porque Jerônimo tropeçou na palavra hebraica karan, que pode significar tanto “chifre” quanto “raio de luz”. A tradução correta está na Septuaginta: o profeta tinha o rosto iluminado, e não chifrudo. Apesar de erros como esse, a Vulgata reinou absoluta ao longo da Idade Média – durante séculos, não houve outras traduções.
O único jeito de disseminar o livro sagrado era copiá-lo à mão, tarefa realizada pelos monges copistas. Eles raramente saíam dos mosteiros e passavam a vida copiando e catalogando manuscritos antigos. Só que, às vezes, também se metiam a fazer o papel de autores.
Após a queda do Império Romano, grande parte da literatura da Antiguidade grega e romana se perdeu – foi graças ao trabalho dos monges copistas que livros como a Ilíada e a Odisséia chegaram até nós. Mas alguns deles eram meio malandros: costumavam interpolar textos nas Escrituras Sagradas para agradar a reis e imperadores. No século 15, por exemplo, monges espanhóis trocaram o termo “babilônios” por “infiéis” no texto do Antigo Testamento – um truque para atacar os muçulmanos, que disputavam com os espanhóis a posse da península Ibérica.
Escrituras em série
Tudo isso mudou após a invenção da imprensa, em 1455. Agora ninguém mais dependia dos copistas para multiplicar os exemplares da Bíblia. Por isso, o grande foco de mudanças no texto sagrado passou a ser outro: as traduções.Em 1522, o pastor Martinho Lutero usou a imprensa para divulgar em massa sua tradução da Bíblia, que tinha feito direto do hebraico e do grego para o alemão. Era a primeira vez que o texto sagrado era vertido numa língua moderna – e a nova versão trouxe várias mudanças, que provocavam a Igreja (veja quadro na pág. 65). Logo depois um britânico, William Tyndale, ousou traduzir a Bíblia para o inglês. No Novo Testamento, ele traduziu a palavra ecclesia por “congregação”, em vez de “igreja”, o termo preferido pelas traduções católicas. A mudança nessa palavrinha era um desafio ao poder dos papas: como era protestante, Tyndale tinha suas diferenças com a Igreja. Resultado? Ele foi queimado como herege em 1536. Mas até hoje seu trabalho é referência para as versões inglesas do livro sagrado.
A Bíblia chegou ao nosso idioma em 1753 – quando foi publicada sua primeira tradução completa para o português, feita pelo protestante João Ferreira de Almeida. Hoje, a tradução considerada oficial é a feita pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e lançada em 2001. Ela é considerada mais simples e coloquial que as traduções anteriores. De lá para cá, a Bíblia ganhou o mundo e as línguas. Já foi vertida para mais de 300 idiomas e continua um dos livros mais influentes do mundo: todos os anos, são publicadas 11 milhões de cópias do texto integral, e 14 milhões só do Novo Testamento.
Depois de tantos séculos de versões e contra-versões, ainda não há consenso sobre a forma certa de traduzi-la. Alguns buscam traduções mais próximas do sentido e da época original – como as passagens traduzidas do hebraico pelo lingüista David Rosenberg na obra O Livro de J, de 1990. Outros acham que a Bíblia deve ser modernizada para atrair leitores. O lingüista Eugene Nida, que verteu a Bíblia na década de 1960, chegou ao extremo de traduzir a palavra “sestércios”, a antiga moeda romana, por “dólares”. Em 2008, duas versões igualmente ousadas estão agitando as Escrituras: a Green Bible (“Bíblia Verde”, ainda sem versão em português), que destaca 1 000 passagens relacionadas à ecologia – como o momento em que Jó fala sobre os animais –, e a Bible Illuminated (‘Bíblia Iluminada”, em inglês), com design ultramoderno e fotos de celebridades como Nelson Mandela e Angelina Jolie.
A Bíblia se transforma, mas uma coisa não muda: cada pessoa, ou grupo de pessoas, a interpreta de uma maneira diferente – às vezes, com propósitos equivocados. Em pleno século 21, pastores fundamentalistas tentam proibir o ensino da Teoria da Evolução nas escolas dos EUA, sendo que a própria Igreja aceita as teorias de Darwin desde a década de 1950. Líderes como o pastor Jerry Falwell defendem o retorno da escravidão e o apedrejamento de adúlteros, e no Oriente Médio rabinos extremistas usam trechos da Torá para justificar a ocupação de terras árabes. Por quê? Porque está na Bíblia, dizem os radicais. Não é nada disso. Hoje, os principais estudiosos afirmam que a Bíblia não deve ser lida como um manual de regras literais – e sim como o relato da jornada, tortuosa e cheia de percalços, do ser humano em busca de Deus. Porque esse é, afinal, o verdadeiro sentido dessa árvore de histórias regada há 3 mil anos por centenas de mãos, cabeças e corações humanos: a crença num sentido transcendente da existência.
Top 5 pragas
I. Quando os hebreus eram escravos no Egito, o Senhor enviou 10 pragas contra os opressores do povo escolhido. A primeira delas foi transformar toda a água do país em sangue (Êxodo 7:21).
II. Como o faraó não libertava os hebreus, o Senhor radicalizou: matou, numa só noite, todos os primogênitos do Egito. “E houve grande clamor no país, pois não havia casa onde não houvesse um morto” (Êxodo 12:30).
III. Desgostoso com os pecados de Sodoma e Gomorra, Deus destruiu as duas cidades com uma chuvarada de fogo e enxofre (Gênesis 19:24).
IV. Para punir as deso­bediências do rei Davi, o Senhor enviou uma doença não identificada, que matou 70 mil homens e 200 mil mulheres e crianças (2 Samuel, 24: 1-13).
V. Quando a nação dos filisteus roubou a arca da Aliança, onde estavam guardados os 10 Mandamentos, o Senhor os castigou com um surto de hemorróidas letais. “Os intestinos lhes saíam para fora e apodreciam” (1 Samuel 5:9) .
Os possíveis autores
1200 a.C. - Moisés
Segundo uma lenda judaica, a Torá (obra precursora da Bíblia) teria sido escrita por ele. Mas há controvérsias, pois existe um trecho da Torá que diz: “Moisés morreu e foi sepultado pelo Senhor próximo a Fegor”. Ora, se Moisés é o autor do texto, como ele poderia ter relatado a própria morte?
1000 a.C. - Javista
Viveu na corte do rei Davi, no antigo reino de Israel, e era um aristocrata. Ou, quem sabe, uma aristocrata: para o crítico Harold Bloom, Javista era mulher. Isso porque os personagens femininos da Bíblia (Eva e Sara, por exemplo) são muito mais elaborados que os masculinos.
Século 4 a.C. - Esdras
Líder religioso que reformou o judaísmo e possível editor do Pentateuco (5 primeiros livros da Bíblia). Vários trechos bíblicos editados por ele pregam a violência: “Derrubareis todos os altares dos povos que ides expropriar, queimareis as casas, e mudareis os nomes desses lugares”.
Século 1 - Paulo
Nunca viu Cristo pessoalmente, mas foi o primeiro a escrever sobre ele. Nascido na Turquia, Paulo viajou e fundou igrejas pelo Oriente Médio. Ele escrevia cartas para essas igrejas, contando a incrível aventura de um tal Jesus – que foi crucificado e ressuscitou.
Século 1 - Maria Madalena
Estava entre os discípulos favoritos de Jesus – e, diferentemente do que o Vaticano sustentou durante séculos, nunca foi prostituta. Pelo contrário: tinha influência no cristianismo e é a suposta autora do Apócrifo de Maria, um livro em que fala sobre sua relação pessoal com Jesus e divulga os ensinamentos dele.
Século 1 - João
Escreveu o 4o evangelho do Novo Testamento (João) e o Livro do Apocalipse, o último da Bíblia. Para ele, Jesus não é apenas um messias – é um ser sobrenatural, a própria encarnação de Deus. Essa interpretação mística marca a ruptura definitiva entre judaísmo e fé cristã.
Século 5 - Jerônimo
Nascido no território da atual Hungria, este padre foi enviado a Jerusalém com uma missão importantíssima: traduzir a Bíblia do grego para o latim. Cometeu alguns erros, como dizer que o profeta Moisés tinha chifres (uma confusão com a palavra hebraica karan, que na verdade significa “raio de luz”).
Século 16 - William Tyndale
Possuir trechos da Bíblia em qualquer idioma que não fosse o latim era crime. O professor Tyndale não quis nem saber, traduziu tudo para o inglês, e acabou na fogueira. Mas seu trabalho foi incrivelmente influente: é a base da chamada “Bíblia do Rei James”, até hoje a tradução mais lida nos países de língua inglesa.
Top 5 matanças
I. Um grupo de meninos malcriados zombou da calvície do profeta Eliseu. Pra quê! Na hora, dois ursos famintos saíram de um bosque e comeram as crianças (2 Reis 2:24).
II. Cercado por um exército de filisteus, o herói Sansão apanhou a mandíbula de um jumento morto. Usando o osso como arma, ele massacrou mil inimigos (Juízes, 15:16).
III. O profeta Elias convidou os sacerdotes do deus Baal para uma competição de orações. Era uma armadilha: Elias incitou o povo, que linchou os pagãos (1 Reis 18:40).
VI. Os judeus haviam perdido a fé e começaram a adorar um bezerro de ouro. Moisés ficou furioso e mandou sacerdotes levitas matar 3 mil infiéis (Êxodo 32:19).
V. A nação dos amalequitas disputava o território de Canaã com os judeus. O Senhor ordena que todos os amalequitas sejam chacinados (1 Samuel 15:18).
Top 5 satanagens
I. Após a destruição de Sodoma, os únicos sobreviventes eram Ló e suas duas filhas. As filhas de Lot embebedaram o pai e tiveram com ele a noite mais incestuosa da Bíblia (Gênesis 19:31).
II. O Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão, é altamente erótico. Um dos trechos: “Teu corpo é como a palmeira, e teus seios, como cachos de uvas” (Cânticos 7:7).
III. Os anjos do Senhor tiveram chamegos ilícitos com mulheres mortais. “Vendo os Filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram-nas como mulheres, tantas quanto desejaram” (Gênesis 6:2).
IV. A Bíblia diz que os antigos egípcios eram muito bem-dotados. Após a fuga para Canaã, a judia Ooliba tem saudades dos tempos em que se prostituía no Egito. Tudo porque “seus amantes (...) ejaculavam como cavalos” (Ezequiel 23:20).
V. O hebreu Onã casou com a viúva de seu irmão, mas não conseguia fazer sexo com ela – preferia o prazer solitário. Do nome dele vem o termo “onanismo”, que significa masturbação (Gênesis 38:9).
As história da história
Como o livro sagrado evoluiu ao longo dos tempos
Tanach - Século 5 a.C.
É a Bíblia judaica, e tem 3 livros: Torá (palavra hebraica que significa “lei”), Nebiim (“profetas”) e Ketuvim (“escritos”). É parecida com a Bíblia atual, pois os católicos copiaram seus escritos. Contém as sementes do monoteísmo e da ética religiosa, mas também pregações de violência. A primeira das bíblias tem trechos ambíguos e misteriosos – algumas passagens dão a entender que Javé não é o único deus do Universo.
Septuaginta - Século 3 a.C.
O Oriente Médio era dominado pelos gregos e pelos macedônios. Muitos judeus viviam em cidades de cultura grega, como Alexandria, e desejavam adaptar sua religião aos novos tempos. Diz a lenda que Ptolomeu, rei do Egito, reuniu um grupo de 72 sábios judeus para traduzir a Tanach – e fizeram tudo em 72 dias. Por isso, o resultado é conhecido como Septuaginta. Inclui textos que não constam da Tanach.
Novo Testamento - Século 1
A língua do Antigo Testamento é o hebraico, mas o Novo Testamento foi escrito num dialeto grego chamado coiné. Contém os relatos sobre vida, milagres, morte e ressurreição de Jesus – os evangelhos. Em alguns trechos, vai deixando evidente a divergência entre cristianismo e judaísmo. É o caso, por exemplo, do Evangelho de João, em que Jesus é descrito como uma encarnação de Deus (coisa na qual os judeus não acreditavam).
Católica - Século 4
Seus autores decidiram incluir 7 livros que os judeus não reconheciam. São os chamados Deuterocanônicos: Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, Macabeus 1 e 2 (mais trechos dos livros Daniel e Ester). A Bíblia católica bate na tecla do monoteísmo: a palavra hebraica Elohim, usada na Tanach para designar a divindade, é o plural de El, um deus cananeu. Mas foi traduzida no singular e virou “Senhor”.
Ortodoxa - Por volta do século 4
É baseada na Septuaginta, mas também inclui livros considerados apócrifos por católicos e protestantes: Esdras 1, Macabeus 3 e 4 e o Salmo 151. A tradução é mais exata (nesta Bíblia, Moisés nunca teve chifres, um erro de tradução introduzido pela Bíblia latina), e os escritos não são levados ao pé da letra: para os ortodoxos, o que conta são as interpretações do texto bíblico, feitas por teólogos ao longo dos séculos.
Protestante - Século 16
Ao traduzir a Bíblia para o alemão, Martinho Lutero excluiu os livros Deuterocanônicos e mudou algumas coisas. Um exemplo é a palavra grega metanoia, que na Bíblia católica significa “fazer penitência” – uma referência à confissão dos pecados, um dos sacramentos católicos. Já Lutero traduziu metanoia como “reviravolta”. Para ele, confessar os pecados era inútil. O importante era transformar a vida pela fé.
Top 5 milagres
I. O maior de todos os milagres divinos foi o primeiro: a Criação do mundo, pelo poder da palavra. “E Deus disse: que haja luz. E houve luz” (Gênesis 1:3).
II. Para dar-lhe uma amostra de seus poderes, o Senhor leva Ezequiel a um campo cheio de esqueletos – e os traz de volta à vida. “O vento do Senhor soprou neles, e viveram” (Ezequiel, 37; 1-28).
III. Graças à benção divina, o herói Sansão tinha a força de muitos homens. Certa vez, foi atacado por um leão. “O espírito do Senhor deu-lhe poder, e Sansão destroçou a fera com as próprias mãos, como se matasse um cabrito” (Juízes 14:6).
IV. Josué liderava uma batalha contra os amalequitas, mas o Sol estava se pondo. Como não queria lutar no escuro, o hebreu pediu ajuda divina – e o Sol ficou no céu (Josué 10:13).
V. Para fugir do Egito, os hebreus precisavam atravessar o mar Vermelho. E não tinham navios. Moisés ergueu seu bastão e as águas do mar se dividiram. Após a passagem dos hebreus, o profeta deixou que as ondas se fechassem sobre os exércitos do faraó (Êxodo 14; 21-30).