A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

segunda-feira, 28 de março de 2011

::: A ESTATÍSTICA, AS ELEIÇÕES E A TERMODINÂMICA :::





Você já votou? Eu já. Logo cedo, 8h, assim que abriu minha seção eleitoral. Dever/direito cumpridos!
E nos quinze minutos em que fiquei na fila esperando para apertar os botõezinhos da urna, ouvindo conversas de alguns eleitores, fiquei pensando em como é provável que a maioria das pessoas não tenham a menor ideia de como funcionam as pesquisas eleitorais. Em outras palavras, como pode ser possível consultar uma porção mínima (algo em torno de 5000 a 10000 indivíduos -  e extrapolar os dados para todo o universo de eleitores que é de cerca de 135 milhões de brasileiros com margem de erro muito pequena (de apenas 2 ou 3 pontos percentuais)?
É aí que entra a Ciência. Mais uma vez a Ciência, tão presente em nossas vidas mas, quase sempre, tão maltratada e pouco compreendida.  Neste caso estamos falando da Estatística, ramo da Matemática.
E a Estatística, como o nome sugere (mas poucos percebem) surgiu para servir ao Estado, ao Governo, preocupado com políticas públicas e o tratamento de dados demográficos e econômicos. Em outras palavras, a Estatística surgiu da necessidade prática de lidar com um número sempre crescente de indivíduos. Chega uma hora que não tem como ficar sempre analisando ou consultando um a um os indivíduos. Certo?
Assim foram criadas técnicas científicas que permitem analisar um subconjunto de dados e extrapolar os resultados para o conjunto todo. Na prática a Estatística minimiza o erro e, usando basicamente a Teoria de Conjuntos, Análise Combinatória e Cálculo, além da Computação (importantíssima nos dias atuais), consegue descrever o comportamento de um sistema a partir de medidas ou observações de uma porção menor dele (sistema) com técnicas observacionais que permitem controlar a variabilidade, ou seja, "como" e "porque" os dados variam dentro sistema e, portanto, como devem ser criteriosamente controlados. A palavra-chave aqui é controle. Quanto maior o controle, melhores serão os resultados.
Numa pesquisas eleitoral, por exemplo, os indivíduos consultados não podem pertencer a uma mesma classe social. Tal medida teria vícios intrínsecos que, na extrapolação dos dados, levariam a erros grosseiros. Cabe, portanto, aos profissionais que vão elaborar os testes, criar o controle dos dados, minimizando os erros. E, se a Ciência for aplicada de forma isenta, sem manipulação, as urnas medem (depois) o que havia sido previsto (antes) dentro da margem de erro. É impressionante o poder que a Ciência bem usada nos confere!  
Mas é claro que sempre se pode fazer mal uso de qualquer coisa, inclusive da Ciência. A Estatística mal feita, mal aplicada, com dados manipulados, pode mentir.
No caso da Estatística aplicada à Física, é muito fácil perceber um erro/mentira: um experimento em laboratório pode mostrar de forma contundente que o modelo usado foge bastante da realidade, ainda que dentro de certas condições de contorno. Já em outras aplicações, inclusive nas eleições, é sempre mais difícil perceber se houve ou não manipulação dos dados. O resultado final da urnas é um bom experimento, sem dúvida. Mas não é conclusivo. Não podemos nos esquecer que, neste caso, o sistema é dinâmico e muito sensível. Entre a hora da última pesquisa e a hora do voto, as coisas podem mudar. E não é por acaso que neste momento, entre as 8h e as 17h, há um batalhão de pessoas tentando mudar o comportamento do sistema, desde a velha e proibida boca de urna na esquina, até a moderníssima tuitada de última hora.


:: Estatística para Modelar um Gás Ideal
Na Física encontramos um exemplo importante de aplicação da Estatística dentro da Termodinâmica que unifica ideias de Mecânica e de Termofísica.
Numa amostra gasosa podemos ter, por exemplo, um mol de partículas (~ 6.1023 partículas). Todos sabem que este número, o Número de Avogadro, é grande. Alguns chegam até a dizer que não é grande, é gigante! Mas poucos conseguem, de fato, entender "quâo enorme" ele é. 
Vamos tentar, antes de tudo, entender o real tamanho do Número de Avogadro, os tais 6.1023. Para tanto imagine que a você seja dada a tarefa de contar uma a uma 6.1023 tampinhas de garrafa. A ideia é pegar a tampinha de um lugar ou recipiente e ir colocando noutro lugar ou recipiente, uma a uma. E contando... 1, 2, 3 ... N. Dá para imaginar quanto tempo você gastaria para realizar esta tarefa?  Vamos supor que você conseguisse contar bem rápido, a uma taxa constante de 1 tampinha por segundo. Para ajudá-lo, olhe no ponteiro dos segundos de um relógio qualquer (pode ser o ponteirinho vermelho no relógio abaixo). E imagine o seguinte: a cada pulinho do ponteiro dos segundos, passou um segundo e você contou uma tampinha. Certo? Dá para contar tampinhas assim. Mas é rapidinho, não?

Nesta taxa você demoraria 6.1023 segundos para contar todas as tampinhas do mol. Mas quanto é isso? Em anos, por exemplo, quanto dá?
Para saber temos que fazer a continha. Um ano tem 365 dias. Cada dia 24h. Cada hora 60 minutos. E cada minuto 60 segundos. Assim: 1 ano = 365 dias x 24 h/dia x 60 min/h x 60 s/min = 31536000 s. Para facilitar as contas, vamos aproximar este valor para 3.107s. Assim consideramos que 1 ano = 3.107s. Agora, em homenagem aos nossos colegas da Química(2), fazemos uma "regrinha de três" simples:
1 ano ---------------- 3.107s
T (anos) ------------- 6.1023
T = 2.1016 anos. Mas isso também é difícil de visualizar, certo? Antes de mais nada, vamos pensar o seguinte: 
  • 1.103   = 1.000 (mil)
  • 1.106   = 1.000.000 (milhão)
  • 1.109   = 1.000.000.000 (bilhão)
  • 1.1012 = 1.000.000.000.000 (trilhão)
Então T = 2.1016 anos =  2.1012 x 104 anos = 2.1012 x 10000 anos = 20000 x 1012 anos, ou seja, vinte mil trilhões de anos! Enorme! Um mol de segundos corresponde a vinte mil trilhões de anos!!!
E você teria que contar tampinhas sem parar, nem para dormir, nem para comer, nem para ir ao banheiro... já pensou?!
Só para termos mais um parâmetro de comparação, a idade do Universo (melhor estimada hoje) é de cerca de 13,7 bilhões de anos. Sendo assim, nem que você estivesse contando tampinhas de garrafas desde o Big Bang(3) (supondo que tanto você quanto as tampinhas já tivessem sido criados junto com o Universo), você ainda não teria terminado a tarefa! Talvez o The Flash, o super-herói, mas você não!

The Flash
Mesmo ele, um super-herói agilíssimo, teria as suas dificuldades para contar um mol de tampinhas. Vamos supor que o The Flash conseguisse ser um milhão de vezes mais rápido do que você, contando 1.10tampinhas por segundo. Logo, para ele o tempo total para contar um mol de tampinhas seria um milhão de vezes menor, ou seja, 6.1017 s. Voltando à "regrinha de três":
1 ano ---------------- 3.107s
T (anos) ------------- 6.1017
Encontramos T = 2.1010 anos, ou seja, 20.10anos (20 bilhões de anos > 13,7 bilhões de anos)! Nem o The Flash, desde o Big Bang, teria dado conta da tarefa de contar um mol de tampinhas até hoje! A não ser que ele fosse ainda mais rápido e pudesse contar mais do que um milhão (1.106) de tampinhas por segundo! Mas aí já estamos forçando a barra, certo?
Conclusão: um mol (6.1023) é enorme de verdade!!!
Agora que você já sabe que um mol é verdadeiramente um numerão, voltamos ao nosso modelo de gás (ideal). Imagine uma amostra gasosa com 1 mol de partículas, todas puntiformes, na temperatura acima de 0K e, portanto, agitadas, movendo-se freneticamente em todas as direções, numa dança caótica. A imagem abaixo, fora de escala, ilustra a ideia.
pitt.edu

Dança caótica das partículas do gás
Os Físicos perceberam que esta dança encerra uma quantidade de energia U e a chamaram de energia interna. Mesmo desprezando a energia potencial, ou seja, jogando fora os termos de energia por causa de interações à distância entre as partículas, restaria ainda a energia cinética, a energia de movimento. Assim, cada partículas teria uma energia EC dada por:

E é claro que os físicos queriam medir esta energia interna U da amostra gasosa até para saber se seria viável tentar usá-la para alguma coisa prática. E foi o que se propuseram a fazer.
Supondo que todas as partículas do gás são idênticas, podemos assumir que as suas massas são todas iguais, ou seja, m1 = m2 = ... = mN = m onde N = 6.1023 partículas (um mol). Teríamos, então, que somar um mol de termos de energia cinética para obter a energia interna U. Veja:

Calcular U da forma sugerida acima nos leva a um problema parecido com o de contar um mol de tampinhas! Um pouco pior porque teríamos que fazer cada continha mV²/2 em apenas um segundo. E, mesmo que conseguíssemos, correríamos o risco da conta (somatória final) dar totalmente errada pois, enquanto calculamos um ou outro termo mV²/2, as partículas colidem umas com as outras e, portanto, trocam energia. Poderíamos terminar a conta de um termo mV²/2 para uma dada partícula que, por colisão, já teria mudado sua velocidade (ou energia cinética). O resultado obtido teria que ser descartado porque já não seria mais verdade! E isso complica tudo, concorda? Percebeu a inviabilidade prática de tentar encontrar U desta forma microscópica, ou seja, olhando para cada uma das 6.1023 partículas? 
Adivinha qual foi a saída? Num primeiro momento, não houve saída. O problema físico ficou engavetado esperando a Estatística se desenvolver para então ser usada para tratar o gás como um sistema de inúmeros indivíduos. Genial! E estatisticamente, sem ter que fazer a somatória acima, descobriu-se que cada grau de liberdade de movimento das partículas do gás deveria contribuir com a parcela nRT/2 onde n é o número de mols (ou o número de conjuntos 6.1023 de partículas), R uma constante típica dos gases e T a temperatura da amostra. Sem entrar em detalhes, já passando o resultado estatístico, para um gás monoatômico (ideal), que pode ser mover em cada uma das três dimensões x-y-z, temos três graus de liberdade, e a energia interna será:

Para um gás diatômico, em que duas partículas se unem formando um objeto semelhante ao halter, aquele que se usa na academia de ginástica, além das translações em  x-y-z  temos também duas possibilidades (ou dois planos) de rotação e, portanto, 3 + 2 = 5 graus de liberdade. Nesse caso a energia interna U deve ser corrigida para:

Note que a Estatística nos leva a uma equação simples em que U depende da temperatura T da amostra, o que se pode obter facilmente com um termômetro, e sem ter que gastar bilhões de anos olhando as partículas do gás uma a uma!
Vale lembrar que é desse estudo estatístico que nasceram as máquinas térmicas que que deram origem às locomotivas e aos motores à explosão que usamos até hoje.  E as máquinas térmicas estão na base da Revolução Industrial, um período importantíssimo da história da humanidade em que a Física, notadamente a Termodinâmica, olhada pelo ponto de vista da Estatística, são muito importantes.  
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Para terminar esse papo, sugiro que você tente estimar qual o volume seria ocupado por um mol de tampinhas de garrafa. Ou qual o tamanho dos recipientes para colocar as tampinhas e ir contando uma a uma?
E aproveito para desejar a você e a todos os brasileiros boas eleições! Mesmo para quem ainda não vota mas sentirá na pele o efeito deste ato democrático, que tudo corra muto bem. Saberemos, experimentalmente, se o resultado das eleições foi realmente bom nos próximos anos! Alegre

(1) Sim, é estranho que o direito ao voto seja também uma obrigação. Ainda vivemos (e viveremos) sob paradoxos enquanto não somos um país de verdade!
(2) Brincadeira!!! Sempre provoco meus colegas professores de Química que 99% da disciplina é resolvida com "regrinha de três"!
(3) Nome que se dá ao início do Universo que, desde então, encontra-se em expansão.

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