A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

domingo, 27 de novembro de 2011

E se não houve um principio?



O Big Bang não é a única noção da origem do cosmo compatível com a física atual. A chamada cosmologia quântica de laços (“loop quantum cosmology”) está acumulando argumentos a favor de uma segunda possibilidade: que nosso universo tenha surgido do colapso de um universo preexistente. A teoria chegou agora ao ponto de maturidade necessária para fazer previsões que podem ser submetidas a testes experimentais. Caso se confirme, o Big Bang teria sido na realidade um Big Bounce – um grande rebote -, e o cosmo não viria de um ponto de infinita densidade, mas de uma sucessão de expansões e contrações talvez eterna, sem princípio nem fim.
A cosmologia quântica de laços tem a capacidade, pelo menos em princípio, de iluminar aquelas regiões do passado onde nem sequer alcança a grande teoria atual do espaço, o tempo e a gravidade, que é a relatividade geral de Einstein. As equações de Einstein se desfazem na origem do universo, que por isso constitui uma “singularidade” matemática, um ponto de densidade infinita que não pode ser explicado pela teoria da relatividade de Albert Einstein.
A relatividade geral é um dos dois pilares sobre os quais se baseia a física atual. Outro é a mecânica quântica. Em traços gerais, a primeira descreve as grandes escalas – o comportamento de planetas, estrelas, galáxias e suas interações gravitacionais -, e a segunda atua no mundo subatômico. As duas são teorias de enorme capacidade de previsão, que superaram as provas experimentais mais exigentes a que foram submetidas em seus respectivos âmbitos.
Mas são incompatíveis entre si, e os físicos testaram duas grandes aproximações teóricas para superar essa discrepância, isto é, para agrupar a relatividade e a mecânica quântica sob um âmbito mais profundo, capaz de acolhê-las sem contradições. Uma delas é a teoria de cordas, e outra a gravidade quântica de laços, na qual se baseia a nova cosmologia do grande rebote.
A gravidade quântica de laços foi desenvolvida por Abhay Ashtekar, Lee Smolin, Carlo Rovelli e outros físicos desde a década de 1980. Sua principal qualidade é que o espaço não é um contínuo em pequena escala: assim como a matéria e a energia, o espaço é formado por quantias indivisíveis se o examinarmos muito de perto.
Cada um desses pacotes de espaço mede apenas cerca de 10^-35 (10 elevado a menos 35) metros quadrados, uma magnitude não apreciável nas escalas habituais, mas suficiente para evitar os paradoxos matemáticos da “singularidade”: espaço zero implica uma densidade e uma gravidade infinitas na origem do universo, mas se o espaço não pode chegar jamais a ser zero a gravidade também não tem que ser infinita ali. Isso permite que as equações da gravidade quântica de laços explorem as regiões do passado que eram proibidas para a relatividade de Einstein.
Quando Ashtekar e sua equipe desenvolveram há dois anos simulações detalhadas por computador do universo descrito pelas equações da gravidade quântica de laços – quer dizer, desenvolveram a cosmologia quântica de laços -, ocorreu algo inesperado. “Fiquei emocionado”, diz Ashtekar no último número da revista “New Scientist”.
O físico estava observando a simulação correr para trás no tempo, com o universo se tornando cada vez menor e denso em energia enquanto se aproximava o momento do Big Bang. Isso era o esperado. Mas, em vez de desmoronar em um ponto de densidade infinita – a singularidade do Big Bang -, a simulação do cosmo rebateu e começou a se expandir de novo. Se as equações estavam corretas, nosso universo não vinha da explosão de um ponto, mas do rebote de um universo anterior no processo de compressão: um Big Bounce.
A cosmologia quântica de laços não pinta um universo eterno salvo por oscilações de tamanho que poderíamos chamar de “convencionais” em nenhum sentido tranqüilizador. Se a teoria estiver correta – o que falta verificar -, o universo anterior ao nosso teria se contraído até alcançar uma densidade monstruosa, de 5×10^96 (5 vezes 10 elevado a 96) quilos por metro cúbico – a chamada densidade de Planck -, antes de rebater e dar lugar à atual fase de expansão.
Nenhuma civilização poderia sobreviver a coisa semelhante. O que torna essa teoria notável é sua capacidade de evitar os infinitos da singularidade, ou para esquivar-se dos paradoxos matemáticos derivados do espaço zero. No que se refere à metafísica, um Big Bounce não parece muito diferente de um Big Bang de pleno direito.
E só a gravidade poderia deter e reverter a atual expansão do cosmo para dar lugar a um novo ciclo cósmico. A matéria do universo não parece ser suficiente para isso, e a maioria dos modelos continua prevendo uma expansão acelerada e irreversível.
Nosso cosmo vai rebotar?
Que o universo inverta ou não sua tendência atual, para iniciar uma compressão que possa conduzir ao próximo rebote, depende criticamente de dois mistérios profundos: a matéria escura e a energia escura, que constituem 95% do que existe.
A matéria normal consiste em estrelas e – sobretudo – gás incandescente situado entre as galáxias que formam cada cúmulo galáctico. Mas a soma das galáxias com o gás não dá massa suficiente para manter o cúmulo unido pela atração gravitacional entre suas partes. Daí a necessidade teórica da matéria escura – 20% do universo.
O outro mistério, a energia escura que forma os 75% restantes do cosmo, têm a mais curiosa das histórias na física teórica. Segundo a relatividade geral – a teoria da gravidade que Albert Einstein descobriu em 1916 depois de dez anos de luta intelectual -, os objetos deformam o espaço e o tempo – o espaço-tempo – de seu entorno, como uma bola de basquete deforma uma cama elástica. Se houver outra bola rolando pelas proximidades, a deformação fará que caia em espiral em direção à primeira – e vice-versa. Essas danças geométricas dos objetos em queda livre pelas curvaturas do espaço-tempo são a gravidade.
Mas a relatividade geral tinha um problema grave que Einstein não pôde ignorar: se os acúmulos de galáxias deformam a cama elástica do espaço-tempo, o universo deveria desmoronar para baixo. Como em 1916 o universo era estático, Einstein inventou uma força ou pressão repulsiva – imaginem um ventilador situado embaixo da cama elástica – que viria compensar as deformações causadas pelas bolas. Ele a chamou de constante cosmológica e escolheu sua magnitude de maneira arbitrária e cuidadosa para que o universo pudesse continuar sendo estático em grande escala.
O artifício de Einstein equivale a pedir que uma bola fique parada sobre o aro da cesta – não é uma metáfora: a equação é exatamente a mesma. É quase certo que a bola entrará ou sairá, e o segundo equivale à expansão cósmica que observamos. A energia escura – o motor dessa expansão acelerada – parece ser justamente essa constante cosmológica inventada por Einstein, só que sem o artifício da cesta. A constante foi descartada por pelo físico alemão – “o maior erro de minha carreira”, disse – quando se descobriu a expansão do universo, mas foi recuperada em tempos recentes ao se saber que esta era acelerada.
Fonte: El Pais

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