A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

domingo, 20 de março de 2011

Por que o universo não pode ter surgido por acaso?


Autor: Jerônimo Freitas
Revisor: Leo Lauria
Fonte Parcial: Blame Hitchens, Dawkins & Harris – Essays of a New Atheist
O texto abaixo junta a tradução que fiz do artigo A billion flushes in a row, publicado no livro Blame Hitchens, Dawkins & Harris – Essays of a New Atheist, à minha opinião (baseada nas mais recentes teorias científicas) sobre a origem da vida, que pode ser estendida à origem do universo.
Vamos supor que um chimpanzé, digitando aleatoriamente em um teclado de computador, escrevesse a seguinte frase: “jesus loves apes” (Jesus ama os símios).
Qual seria a probabilidade de que ele escrevesse tal frase? A resposta é: uma chance em 79.77 sextilhões (1/79766443080000000000000). Nós certamente somos tentados a achar que, caso isso ocorresse, teríamos presenciado algum tipo de intervenção divina, posto que é algo que nos parece impossível de acontecer por mero acaso. Ademais, o fato de o chimpanzé escrever “jesus” sugeriria a interferência do senhor Jesus Cristo.
Vamos supor agora que o chimpanzé, ao invés de digitar aquilo, digitasse: “akbsj nq zzm utt”. Qual a probabilidade de ele escrever tal frase? A resposta é: uma chance em 79.77 sextilhões (1/79766443080000000000000). Novamente acharíamos que haveria uma intervenção divina nessa ocorrência, posto que a probabilidade de que ele digitasse esta frase, aleatoriamente, seria igualmente irrisória. Não há dúvida de que o chimpanzé foi assistido pelo deus Utt, que habita um planeta localizado nos confins da galáxia Andrômeda. Na verdade não importa o que o chimpanzé digite: Se contiver 16 caracteres (14 letras e dois espaços) a probabilidade será sempre a mesma, e a atribuição a uma intervenção divina poderá então, segundo alguns, ser justificada.

Essa probabilidade é calculada da seguinte maneira: Partindo-se do princípio de que haja 27 caracteres num teclado de computador (26 letras e a barra de espaço), não importa qual das teclas ele pressione, a probabilidade disto acontecer será de 1/27. Como o chimpanzé digitou 16 caracteres em cada um dos exemplos acima, a probabilidade total, em ambos os casos, é (1/27)^16; ou seja, 1/27 multiplicado por ele mesmo 16 vezes.
A verdade é que não houve intervenção divina em nenhum dos dois casos. Entretanto, no primeiro exemplo, os criacionistas vêem intervenção divina pelo simples fato de reconhecerem os caracteres aleatórios “Jesus loves apes”. No segundo caso os Utts vêem intervenção divina pelo fato de reconhecerem os caracteres para nós aleatórios “akbsj nq zzm utt”.
Esse é um erro comum que a maioria das pessoas (e provavelmente dos extraterrestres) comete. Quando identificam um resultado tido como desejável, erroneamente concluem que a probabilidade da ocorrência deste resultado específico deva ser menor do que a probabilidade de qualquer outro resultado aleatório desprovido de um interesse ou significado específico. As pessoas em geral  também costumam confundir a probabilidade de algo NÃO acontecer com a probabilidade de que um determinado evento venha a ocorrer.
Por exemplo, a probabilidade de um raio NÃO atingir você é muito próxima a 100%. Entretanto a probabilidade de um raio atingir um lugar distante no meio do nada é a mesma que a de um raio acertar a sua cabeça. O que você me diz então da probabilidade de que dez raios acertem a sua cabeça dez vezes seguidas? Certamente Zeus estaria lhe castigando por adorar o falso deus de Abraão?
Não necessariamente. A probabilidade de raios acertarem a sua cabeça 10 vezes seguidas não é menor do que a de cada um deles acertar dez outros lugares quaisquer (o mesmo lugar dez vezes ou dez lugares distintos, uma vez cada) no meio do nada. A lógica é a mesma.
As pessoas tendem a dar mais valor a certos eventos do que a outros. Quando nós conseguimos dez royal flushes seguidos jogando pôquer, logo pensamos: “-Poxa, que sorte!”. Bem, quaisquer dez outras mãos que tivéssemos recebido teriam a mesma probabilidade de ocorrer.
O que dizer então sobre a probabilidade de recebermos um trilhão de mãos com royal flushes uma atrás da outra? Certamente somos levados a crer que haja algo estranho acontecendo nesse caso. Na verdade não há. Um trilhão de royal flushes seguidos não violariam as leis da probabilidade. O que seria estranho seria tirarmos um trilhão de mãos que não fossem royal flushes e elas, num passe de mágica, se transformassem em royal flushes.
Já que você leu até aqui, vamos agora testar o seu conhecimento sobre o acaso. Suponha que você esteja jogando pôquer e você NÃO receba um trilhão de royal flushes. Ao invés disso você recebe um trilhão de mãos com combinações mais fracas. Qual é a probabilidade de isso ocorrer? Resposta: a mesma probabilidade de receber um trilhão de royal flushes um atrás do outro.
Não é porque desejamos de antemão que um determinado evento em particular ocorra que a sua ocorrência deva ser considerada um milagre ou que devamos considerá-la menos provável do que a ocorrência de um evento que não seja do nosso interesse. Isso também serve para eventos repetidos em sequência.
Lendo o texto acima eu gostaria de estender esse raciocínio, aplicando-o ao surgimento da vida na sopa química dos oceanos primitivos. Elementos químicos bombardeados intermitentemente por descargas elétricas esbarraram uns nos outros aleatoriamente por centenas de trilhões de vezes incessantemente durante centenas de milhares de anos, ora se repelindo ora formando compostos mais complexos. Das dezenas de milhões de combinações aleatórias resultantes, uma, ou algumas poucas, originaram o que podemos chamar de royal flushes da vida nesse jogo de pôquer, os primeiros ácidos aminados ou aminoácidos. Outros tantos milhões de combinações, sem interesse para a formação da vida também se formaram, mas estes não chamam a nossa atenção. Centenas de milhares de anos se passaram com os aminoácidos se esbarrando ao acaso, sem nada de especial acontecer, até que determinadas combinações deram origem os ácidos ribonucleicos e desoxirribonucleicos, as primeiras substancias que tinham a peculiaridade de se auto-replicar. São estas as bases das proteínas, moléculas que funcionam como os tijolos dos tecidos vivos.
Os teístas acham que a probabilidade de uma combinação aleatória de elementos químicos formar ácidos aminados (um evento desejável, em retrospecto), é menor do que a probabilidade de formarem outras moléculas que não têm interesse para a vida. É impossível reproduzir esse modelo primitivo em escala global, já que necessitaríamos da ocorrência de centenas de trilhões de eventos (ainda que Miller o tenha reproduzido em escala reduzida), para que assim pudéssemos chegar a ter uma seqüência do tipo desejável, “Jesus loves apes”. Porém, ao constatarmos que dispomos dispersos em nosso planeta dos mesmos elementos químicos que formam os aminoácidos e ao constatarmos que todas as formas de vida da Terra têm como base com os mesmos compostos orgânicos, organizados em ácidos ribonucleicos e desoxirribosnucleicos, podemos sem esforço deduzir que a vida tenha surgido a partir deles.
Ao examinarmos as camadas geológicas, encontramos sequências de fósseis dispostas em ordem cronológica, numa seqüência que vai de baixo pra cima dos menos complexos aos mais complexos. Vemos também que as proteínas de todos os seres vivos existentes e extintos são formadas da mesma forma que as nossas, contendo inclusive genes em comum. Mesmo assim ainda há quem  insista em dizer, sem contudo apresentar nenhuma evidência, nem mesmo questionável, que a vida foi simplesmente criada por deus, num passe de mágica. Como mencionei em meu outro artigo (Sobre a origem das coisas); por que o fato da vida e do universo terem surgido de combinações aleatórias deveria parecer menos plausível do que a vida ter sido criada por um ser sobrenatural de cuja existência não se tem qualquer evidência? A resposta, no caso dos teístas, é a necessidade consciente ou inconsciente de se justificar as besteiras escritas nos textos sagrados. Uma outra resposta, dessa vez no caso dos deístas, seria a incapacidade que certas pessoas têm, muitas vezes por simples falta de informação, de dissociar o pensamento de um inconsciente antropocêntrico de causa e efeito, criador e criatura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário