Andrew Brook e Robert J. Stainton
1) Uma escolha (isto é, uma escolha livre) é uma decisão tal que até ao momento em que foi tomada, outra decisão poderia ter sido tomada e a decisão tomada depende da pessoa que a fez.[…]
O tema do livre-arbítrio tem estado entre nós de uma forma ou de outra desde o tempo dos filósofos gregos. Está no coração de muitas das partes mais importantes da nossa vida social e pessoal. Se não tivermos livre-arbítrio, então é difícil compreender como poderíamos possivelmente ser responsáveis por aquilo que fazemos: que justificação poderia haver para nos censurarem quando algo corre mal, elogiarem-nos e recompensarem-nos quando nos esforçamos muito e/ou as coisas correm bem? O seguinte princípio de possibilidades alternativas parece encontrar-se na base da nossa noção de responsabilidade:
2) Princípio de possibilidades alternativas — Se uma pessoa não poderia ter decidido de outro modo, então essa pessoa não é responsável por aquilo que ela faz.Se não temos livre-arbítrio, então quase por definição não poderíamos ter decidido de outro modo. E tendo em conta 2, se não poderíamos ter decidido de outro modo, então não somos responsáveis pelas decisões que fazemos ou pelo que vamos fazer. […]
Para lidar com a questão 2, a primeira coisa a fazer é distinguir entre liberdade de decisão e liberdade de acção. Esta distinção tem sido completamente confundida recentemente, mas é fundamentalmente importante mantê-la assim. Já definimos liberdade de decisão em 1; é simplesmente ter escolha. Podemos definir liberdade de acção assim:
3) Liberdade de acção — Ser capaz de fazer aquilo que escolhemos fazer.[…]
A diferença fundamental entre liberdade de decisão, isto é, escolha, e liberdade de acção é a seguinte: A liberdade de decisão é acerca de decisões, a liberdade de acção é acerca de acções. Podes ter uma sem ter a outra. Por um lado, podes ter completa liberdade, o poder para dizer e fazer o que queres, e não ter poder para escolher aquilo que queres e o modo como vais agir. Isto seria ter liberdade, liberdade de acção, sem escolha livre. Por outro lado, se tens o poder de fazer escolhas, na maior parte dos casos não o perdes ao perder a liberdade, a liberdade de acção. Supõe que estavas preso numa cadeia. Isso tirar-te-ia a tua liberdade, o teu poder de fazer o que querias. Mas tirar-te-ia o poder de fazeres escolhas? Bem, parcialmente ficarias, pelo menos, com uma grande parte desses poder: não perderias a capacidade para escolher aquilo em que vais acreditar, para decidir aquilo que farias se pudesses, etc. Tudo o que perderias na cadeia é a capacidade para agir com base nessas decisões, isto é, a tua liberdade de acção. (É isso que em grande parte torna a prisão horrível: uma pessoa numa prisão mantém total liberdade de decidir o que gostaria de fazer, mas perde o poder de agir com base nisso.)
[…]
As condições de ter liberdade, liberdade de expressão e autonomia pessoal; a extensão e os limites justificáveis da liberdade; a relação entre a liberdade de cada um e a igualdade para todos; e muitas outras questões acerca de liberdade de acção são intensivamente estudadas e merecem atenção. Contudo, focaremos o outro lado da moeda: a liberdade de escolha [livre-arbítrio], o que é e se temos tal coisa.
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Há três grandes posições acerca da natureza e existência do poder de escolher. Elas são usualmente designadas determinismo radical, compatibilismo (também designado determinismo moderado e, […] libertismo. […]
Para introduzir estas posições, necessitamos de esboçar um pano de fundo. Em termos gerais, temos duas concepções muito diferentes de nós mesmos enquanto pessoas. Uma concepção é a imagem manifesta da vida social e interpessoal do dia-a-dia. […] Nesta imagem, pensamos nas pessoas como agentes unificados de escolha e acção, agentes capazes de ter em conta as alternativas importantes, de concentrarmos a nossa atenção nas considerações importantes, de identificar as alternativas e de fazer escolhas. Pensando nas pessoas deste modo, é natural torná-las responsáveis pelas acções que elas escolhem.
A outra concepção é a imagem científica […]. Esta imagem surge do trabalhado das ciências acerca do ser humano, incluindo a biologia, a ciência cognitiva e a neurociência. Nesta concepção, pensamos nas pessoas como um sistema vasto de unidades muito pequenas (neurónios e outras células), um sistema que é completamente determinado a ser como é pelos seus genes e pelo seu ambiente e, talvez, por outras causas prévias. Relativamente à questão da escolha livre [livre-arbítrio], a parte importante desta concepção é que estamos totalmente determinados por causas prévias a decidir como decidimos. Por "completamente determinado", queremos dizer que partindo das mesmas causas prévias, as mesmas decisões ter-se-iam seguido. Pensando nas pessoas tal como o fazemos a partir da imagem científica, é natural que fiquemos preocupados pelo facto de elas poderem não ter poder de escolha e assim nunca serem responsáveis pelas suas decisões e pelas suas acções.
Tal como foi originalmente concebido pelo filósofo Wilfrid Sellars, as duas imagens deviam ser entendidas como completamente compatíveis, simplesmente como dois modos de mostrar ou descrever a mesma coisa. […] Quando, contudo, exploramos as concepções de escolha produzidas pelas duas imagens, elas parecem rapidamente ser pouco compatíveis. A imagem manifesta contém a imagem das pessoas enquanto pessoas que escolhem livremente. A imagem científica contém a imagem das pessoas como causalmente determinadas. As três grandes posições acerca da liberdade de decisão consistem em três posições acerca destas implicações para as duas imagens.
Comecemos pelo libertismo. Os libertistas aceitam o ponto de vista da imagem manifesta, de que somos agentes com poder de tomar decisões livres. Eles também defendem que ter esse poder põe de lado o determinismo causal completo da imagem manifesta. Eles argumentam do seguinte modo:
Premissa 1: A liberdade de escolha existe.Assim, os libertistas rejeitam um elemento central da concepção científica da pessoa, um elemento admitido por quase todos os que aceitam a imagem científica, nomeadamente o determinismo.
Premissa 2: Se a liberdade de escolha existe, então o determinismo causal completo não é verdadeiro.
Conclusão: Portanto, o determinismo causal completo não é verdadeiro.
Por contraste, os deterministas radicais aceitam o determinismo causal da imagem científica. Concordam numa coisa com os libertistas, nomeadamente, que um determinismo causal completo põe de lado a nossa liberdade de decisão, mas argumentam num sentido totalmente oposto. Argumentam assim:
Premissa 1: O determinismo causal completo é verdadeiro.Assim, os deterministas radicais rejeitam um elemento crucial da imagem manifesta da vida social.
Premissa 2: Se o determinismo causal completo é verdadeiro, então a escolha livre não existe.
Conclusão: Portanto, a escolha livre não existe.
O resultado? Estamos num impasse desagradável. Parece que temos de abdicar de uma parte crucial da nossa concepção vulgar acerca da pessoa ou temos que rejeitar um elemento crucial acerca daquilo que a ciência nos diz acerca das pessoas. Nenhuma das alternativas é desejável. Se fosse possível, gostaríamos de manter as duas. É aí que entra a terceira opção. A terceira alternativa é o que designamos acima por compatibilismo. Os compatibilistas pensam que as perspectivas acerca da escolha e do determinismo causal das duas imagens são inteiramente compatíveis uma com a outra (daí o nome usado).
Para ver como os compatibilistas vêm o problema, note-se primeiro que os deterministas radicais e os libertistas estão de acordo num ponto central. Concordam que a escolha livre e o determinismo causal completo são mutuamente exclusivos, isto é, são incompatíveis entre si. É isso que as segundas premissas afirmam nos dois argumentos. O compatibilista rejeita as segundas premissas. Para o compatibilista, a escolha livre não seria excluída apenas pelo facto de a decisão ser causalmente determinada. Como assim? Bom, para o compatibilista, escolher livremente é apenas um modo de estar causalmente determinado. Se a tua opção foi causalmente determinada de modo adequado, então foi uma escolha livre: a decisão foi completamente determinada causalmente e completamente livre. A escolha livre não é excluída pelo mero facto de ser uma decisão causalmente determinada.
Como é que o compatibilista faz este truque? Diferentes compatibilistas usam diferentes jogadas, mas a estratégia geral é definir um conceito que pode ser designado autodeterminismo:
4) Autodeterminismo — Uma opção ou decisão é causalmente determinada por si própria.Uma decisão é autodeterminada quando os factores que a causam foram aspectos da pessoa que a fez, tal como os seus desejos e valores. Os compatibilistas distinguem, então, situações em que uma decisão é autodeterminada de situações em que factores exteriores à pessoa determinaram que decisão foi tomada. Eis um exemplo de autodeterminismo:
5) Envolvo-me num processo cuidadoso de identificar cursos alternativos da acção, valores relevantes que aceito, os meus objectivos, os interesses e situações dos outros, as minhas crenças acerca de como várias alternativas se darão e por aí fora. Estas deliberações causam-me a chegar a uma dada decisão.Para o compatibilista, a situação 5 é inteiramente diferente das situações como as de 6:
6) Sou levado a tomar uma certa decisão pela influência de sugestão pós-hipnótica ou pela intoxicação extrema, ou enquanto estou a dormir, etc.Qual é a diferença? A diferença é simplesmente esta. Embora a decisão nos dois casos seja completamente causalmente determinada, no primeiro caso é causada pela minha deliberação consciente acerca do que fazer, no segundo caso por factores exteriores ao meu pensar e deliberar, factores sobre os quais não tenho controlo. Para o compatibilista, isto é suficiente para no caso 5 pelo menos se abrir o caminho à escolha livre […], enquanto que numa situação como a 6 não há escolha livre.
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