Neste
artigo, queremos transcrever um fato quase desapercebido pela maioria
das pessoas, que foi um dos episódios mais sangrentos da China do século
XIX, antes das tragédias que viriam a ocorrer no século XX que
antecederam a formação da moderna China dos dias de hoje.
É também um dos mais negros episódios do
Cristianismo, em que teve influência nas origens desse conflito, no
qual teve o saldo estimado de cinquenta milhões de mortos. E é
amplamente desconhecido, e está na hora de divulgar o assunto.
Com isso, queremos demonstrar um dos perigos que representa o fanatismo religioso e as loucuras messiânicas.
Origens
Enquanto os chineses entraram em
conflito com a Europa e a cultura europeia durante a Guerra do Ópio e
depois, também foi convulsionada por uma série de rebeliões em meados do
século XIX. Com a rebelião de Nien (1853-1868), várias rebeliões
muçulmanas no sudoeste (1855-1873) e noroeste (1862-1877) e
especialmente, a rebelião Taiping.
As consequências para a China durante
este período foram devastadoras. Somente a rebelião de Taiping sozinha,
que durou cerca de vinte anos, cerca de trinta a cinquenta milhões de
chineses morreram em consequência direta deste conflito. Na verdade, o
período de 1850 a 1873 viu, como resultado de rebeliões, seca e fome, a
população da China, encolheu mais de sessenta milhões de pessoas.
Juntamente com a humilhante derrota nas mãos de potências européias, a
situação da China no século XIX era verdadeiramente trágica.
A rebelião de Taiping porém, é uma
perturbação interna, misturada com conflitos contra o Ocidente. E com a
combinação de ambos os padrões culturais europeus e chineses, criou-se
uma única mistura altamente volátil. A pessoa que surgiu desta mistura
foi Hung Hsiu-ch’üan (1813-1864), o líder da rebelião.
Hung Hsiu-ch’üan
Hung
Hsiu-ch’üan era filho de um pobre agricultor perto de Cantão. Ele era
um jovem estudante bastante promissor, mas repetidamente falhou nos
exames para admissão em uma função publica na província de Cantão.
Depois de tais fracassos, ele ouviu a pregação de um cristão e trouxe
para a sua casa vários cristãos e se converteu à religião deles. No ano
seguinte ele falhou novamente no exame e, segundo alguns historiadores,
teve um colapso nervoso. Segundo se relata, Hung teve várias visões em
que um velho homem disse a ele que as pessoas tinham deixado de adorá-lo
e que estavam adorando demônios. E em outra visão, o mesmo homem o
nomeou como um matador de demônios. E Hung acreditava que o homem da
visões era o próprio Deus, que o considerou como a um Pai e também, um
jovem de meia idade que o visitou em outras visões era Jesus Cristo, que
o considerou como sendo o seu irmão mais velho. E Hung se proclamou
como o irmão mais novo de Jesus e que tinha sido enviado por Deus à
terra, a fim de erradicar os demônios e os cultos demoníacos.
Hung, no entanto, não fez nada com estas
visões até sete anos mais tarde, quando ele começou a estudar com
Issachar J. Roberts, um ministro batista do sul que lhe ensinou tudo que
sabia sobre o Cristianismo. Com o Cristianismo de Roberts, Hung e
alguns parentes mais outros seguidores formaram uma nova seita
religiosa, que se chamava Os Adoradores de Deus, que dedicou-se à
destruição de ídolos na província de Cantão.
O movimento atraiu muitos seguidores por
uma variedade de razões. Historiadores ocidentais defendem que a fome
dos anos 1840 inspirou os chineses a se juntarem a vários movimentos que
obtinham sucesso em alimentar as pessoas e a cuidar de si próprias. E
os historiadores chineses salientam especialmente a retórica anti-manchu
de Hung no início daquele movimento. Enquanto a seita dos Adoradores de
Deus foi dedicada à destruição dos ídolos e à erradicação dos cultos
religiosos considerados como demoníacos, os membros daquela seita
sentiram que os governantes manchu foram os principais propagadores
daqueles “cultos demoníacos”. Na filosofia de Hung, no inicio ele parece
ter chegado à conclusão de que a derrubada dos Manchus iria ajudar a
trazer o Reino do Céu para a Terra.
Dizendo-se inspirado por Deus e Jesus
Cristo, ele compôs uma ideologia eclética que combinava elementos da
antiga filosofia taoísta (pré-confuciana) com crenças herdadas do
cristianismo protestante. Com base nisso, idealizou uma sociedade
utópica, na qual os camponeses possuiriam e trabalhariam a terra em
comum. Nessa sociedade ideal, inspirada num passado lendário, a
escravidão, a tortura policial, os casamentos arranjados, o concubinato,
o consumo de ópio, a idolatria e outros costumes da China Imperial,
como o cruel hábito de enfaixar e comprimir os pés das mulheres, seriam
abolidos.
O movimento, no entanto, não se revoltou
de forma aberta até que o governo começou a hostilizar sistematicamente
os membros da seita. Combinada com a sua crença de que o Reino dos Céus
seria criado por sobre as ruínas do governo Manchu, os militantes dos
Adoradores de Deus também foram organizados militarmente para destruir e
eliminar os cultos demoniacos. No final dos anos 1840, Hung reorganizou
o seu movimento em uma organização militar. Ele e outros dirigente
começaram a constituir uma grande reserva financeira (todos os crentes
tiveram que dar as suas propriedades e os bens para o movimento),
consolidação de forças, e estabelecer-se um comercio de armas.
Num país em crise, Hong logo atraiu
milhares de seguidores. Seus adeptos eram pessoas que se opunham às
profundas desigualdades sociais, aos costumes opressivos, à rapinagem
colonialista e à odiada dinastia Manchu. Incluíam não apenas operários e
camponeses que aspiravam por um mundo melhor, mas também membros de
antigas sociedades secretas, descontentes com as humilhações que os
“estrangeiros” manchus e o colonialistas ocidentais estavam impondo à
China. Essas multidões se organizaram num exército revolucionário.
Em dezembro de 1850, Hung foi atacado
por forças governamentais e, uma vez que tinha passado bastante tempo se
preparando para a guerra, ele revidou com sucesso o ataque. Em 1851,
Hung declarou que um novo reino tinha sido estabelecido, o Reino da Paz
Celestial, ele foi aclamado como o “Rei Celestial” e a Era Taiping, ou
“Grande Paz”, havia começado.
O Reino da Paz Celestial foi um Estado
Teocrático tendo o Rei Celestial como Absoluto Monarca. O seu objetivo,
tal como estava implícito em seu nome, foi a realização da paz e de
prosperidade na China, com todas as pessoas a adorar um único deus e
apenas um só. Consistia de uma única hierarquia que assumiu todas as
obrigações administrativas, religiosas, e as militares. O movimento
criou um programa radical de reformas econômicas na qual todas as
riquezas foram igualmente distribuídas a todos os membros da sociedade.
A própria sociedade de Taiping seria uma
sociedade sem classes, sem distinções entre as pessoas, e todos os
membros da sociedade Taiping eram “irmãos” e “irmãs” com todos os
direitos e deveres tradicionalmente associados a essas relações na
sociedade chinesa. Uma das consequências sociais e econômicas dessa
igualdade de homens e mulheres, muitos postos administrativos no novo
Reino foram atribuídos as mulheres Esta reforma econômica e social,
combinada com a seu apaixonado nacionalismo anti-manchu, fez do Reino da
Paz Celestial um poderoso ímã para todos os chineses que sofriam com os
problemas e as catástrofes do século XIX.
A Rebelião
De
uma perspectiva militar, a rebelião teve um começo impressionante. O
exército em si foi totalmente disciplinado, e também, após se iniciar em
rituais, os crentes de Taiping foram fanaticamente disciplinados e se
tornando soldados dedicados, dispostos a morrer sem hesitação em nome de
Deus pela destruição das contra-forças demoníacas. O exército Taiping
percorreram o norte através do vale central de Yang-tze até Nanquim. Em
muitos sentidos, no entanto, este dramático progresso dos Taipings
explica porque perdeu tão facilmente, apesar de seu impressionante
início. O motivo central é que foi avançando tão rapidamente em que
evitou os grandes centros urbanos e, portanto, acabou encontrando pouca
resistência. Quando eles conquistavam um território, não fizeram
qualquer esforço para consolidar a conquista através da criação de um
mecanismo administrativo em vez de percorrerem o norte. Não houve nenhum
espaço para a divergência ou discussões na hierarquia militar, e não
era só o Rei Celestial que alegava ter ganho a sua autoridade
diretamente de Deus, mas os próprios generais militares alegavam também
serem guiados por Deus, em uma série de visões. Havia pouco espaço
então, para um pensamento estratégico neste tipo de ambiente.
A ocupação de Nanquim pelos Taipings em
março de 1853, em que mudaram o nome da cidade para T’ien-ching, ou
“Heavenly Capital”. De T’ien-Ching, eles atacaram Pequim, mas o seu
exército, depois de fazer rápidos progressos no norte, foi derrotado.
Nos próximos dez anos, os Taipings ocuparam-se com conquistas de
territórios ocidentais e lutando continuamente para manter o seu
território no vale central de Yang-tze. A rebelião passou a oscilar de
um lado para o outro, seja uma derrota, seja uma vitória, ou mais uma
derrota.
Sob as pressões da guerra e de uma
administração ineficiente, o Reino da Paz Celestial lentamente começou a
desmoronar. Os líderes do Reino não conseguiram consolidar a sua
autoridade nos territórios conquistados, preferindo se pronunciarem nas
grandes cidades. Na realidade, a regra dos Taiping eram apenas
estendidas sobre as grandes cidades nos territórios conquistados em vez
dos próprios territórios. Haviam muito poucos funcionários competentes
entre os Taipings, e os esforços para recrutar mais funcionários e
intelectuais eram geralmente frustados, por causa dos chineses mais
instruídos que estavam profundamente perturbados pela natureza
teocrática do Estado e pela falta de educação entre os seus dirigentes.
Mais significativamente, a administração
Taiping começou a se desintegrar quando Hung se retirou da participação
ativa nos assuntos administrativos e militares. Acreditando que a regra
já valia por si mesma pela sua força divina por ser um Rei Celestial, e
não através do seu envolvimento ativo na política. Na verdade, parece
que a personalidade de Hung se tornou progressivamente mais
desequilibrada. Ao invés de dedicar-se à força divina, ele mergulhou nos
prazeres sensuais e luxuosos do palácio e aos prazeres sexuais do harém
de mulheres que ele tinha coletado pelos territórios conquistados. A
saida de Hung da administração Taiping, enviou inúmeras rachaduras no
Reino da Paz Celestial.
Incapaz de enfrentar sozinho os
rebeldes, o governo imperial apelou às potências colonialistas. Estas
preferiram apostar suas fichas numa dinastia decadente, que apesar de se
opor à presença ocidental no final sempre capitulava, a arriscar seus
polpudos interesses com o eventual triunfo da Rebelião Taiping. Tropas
britânicas e francesas e aventureiros americanos vieram em socorro do
exército imperial. O radicalismo das reformas propostas pelos rebeldes,
seus ataques à tradicional moral confuciana (que legitimava a tríplice
submissão do jovem ao idoso, da mulher ao homem e do servo ao senhor) e
sua tolerância frente às sociedades secretas assustavam as classes
abastadas, impedindo que o movimento ampliasse sua base social.
Em 1864, o Reino da Paz Celestial estava
chegando ao fim. As forças chinesas tinham ameaçado T’ien-ching durante
meses, quando Hung e seu grupo central fugiram para o sul. E Hung
acreditava que Deus iria defender Taiping, mas em junho de 1864, ele
parece ter perdido a certeza da proteção de Deus e envenenou-se. As
forças imperiais descobriram o seu corpo, envolto na cor do imperador,
amarelo, e o despejaram em um esgoto sob a cidade. Com um custo de cerca
de trinta a cinqüenta milhões de vidas ao longo de um período de vinte
anos, a Paz Celestial tinha chegado ao fim.
As Conseqüências
É
comum a sociedade se apegar a valores espirituais na tentativa de
encontrar a solução dos seus problemas. Mesmo na China, um país
embebido pelo Taoísmo e Confucionismo, não foi diferente, até o
cristianismo havia penetrado no país e se misturado à religião oficial.
A revolta dos Taiping marcou
profundamente a história chinesa e inspirou um ciclo de revoluções que
marcaram o país nos anos seguintes. Dentre elas, podemos mencionar a
Reforma dos Cem Dias, que pretendia imprimir a modernização na
administração imperial e a Revolução dos Boxers, cujo caráter era
xenófobo e violento, tendo como objetivo principal, eliminar os
estrangeiros do país. Tanto a Reforma dos Cem dias quanto a Revolução
dos Boxers, foram tentativas de uma solução imperial e conservadora para
a crise chinesa, porém, ambas não tiveram êxito.
Logo o ideal revolucionário republicano
ganhou terreno e se espalhou pelo país. Um novo sentimento nasce no povo
chinês: o nacionalismo, e este começa a mudar os rumos da sua história.
Em 1911, nacionalistas chineses, liderados por Sun Yat-Sem, chefiaram
uma revolta que derrubou o imperador e proclamou a República. Sun
Yat-Sem foi o fundador do Kuomintang – O Partido Nacionalista. Ele
sonhava com um Estado democrático, que estimulasse a modernização
econômica da China. Porém, Sun Yat-Sem não dispunha de um exército capaz
de assegurar as conquistas revolucionárias e seu sonho nacionalista foi
esmagado por uma série de arbitrariedades do chefe militar Yuan Shikai,
obrigando-a se afastar do país.
Em quatro de Maio de 1919 explode uma
fervorosa manifestação estudantil contra o imperialismo e o feudalismo
chinês, cujo ponto alto foi a rendição do governo chinês frente ao
Tratado de Versalhes, que não conseguiu de volta os territórios
conquistados pelo Japão, Inglaterra e França na 1ª Guerra Mundial.
Esta manifestação trouxe Sun Yat-Sem ao
poder novamente. O movimento de Quatro de Maio foi também conhecido como
Movimento da Nova Cultura e se tornou o estopim que faltava para
desencadear a Revolução Chinesa. A fundação do Partido Comunista da
China (PCC) foi conseqüência direta do Movimento Quatro de Maio e é nela
que entra em cena a figura de Mao Tsé-Tung.
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