A palavra Deus, para mim, é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana; a Bíblia, uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.

— Albert Einstein

terça-feira, 12 de abril de 2011

A Rebelião de Taiping – O massacre de dezenas de milhões de chineses



Neste artigo, queremos transcrever um fato quase desapercebido pela maioria das pessoas, que foi um dos episódios mais sangrentos da China do século XIX, antes das tragédias que viriam a ocorrer no século XX que antecederam a formação da moderna China dos dias de hoje.
É também um dos mais negros episódios do Cristianismo, em que teve influência nas origens desse conflito, no qual teve o saldo estimado de cinquenta milhões de mortos. E é amplamente desconhecido, e está na hora de divulgar o assunto.
Com isso, queremos demonstrar um dos perigos que representa o fanatismo religioso e as loucuras messiânicas.
Origens
Enquanto os chineses entraram em conflito com a Europa e a cultura europeia durante a Guerra do Ópio e depois, também foi convulsionada por uma série de rebeliões em meados do século XIX. Com a rebelião de Nien (1853-1868), várias rebeliões muçulmanas no sudoeste (1855-1873) e noroeste (1862-1877) e especialmente, a rebelião Taiping.
As consequências para a China durante este período foram devastadoras. Somente a rebelião de Taiping sozinha, que durou cerca de vinte anos, cerca de trinta a cinquenta milhões de chineses morreram em consequência direta deste conflito. Na verdade, o período de 1850 a 1873 viu, como resultado de rebeliões, seca e fome, a população da China, encolheu mais de sessenta milhões de pessoas. Juntamente com a humilhante derrota nas mãos de potências européias, a situação da China no século XIX era verdadeiramente trágica.
A rebelião de Taiping porém, é uma perturbação interna, misturada com conflitos contra o Ocidente. E com a combinação de ambos os padrões culturais europeus e chineses, criou-se  uma única mistura altamente volátil. A pessoa que surgiu desta mistura foi Hung Hsiu-ch’üan (1813-1864), o líder da rebelião.
Hung Hsiu-ch’üan
Hung Hsiu-ch’üan era filho de um pobre agricultor perto de Cantão. Ele era um jovem estudante bastante promissor, mas repetidamente falhou nos exames para admissão em uma função publica na província de Cantão. Depois de tais fracassos, ele ouviu a pregação de um cristão e trouxe para a sua casa vários cristãos e se converteu à religião deles. No ano seguinte ele falhou novamente no exame e, segundo alguns historiadores, teve um colapso nervoso. Segundo se relata, Hung teve várias visões em que um velho homem disse a ele que as pessoas tinham deixado de adorá-lo e que estavam adorando demônios. E em outra visão, o mesmo homem o nomeou como um matador de demônios. E Hung acreditava que o homem da visões era o próprio Deus, que o considerou como a um Pai e também, um jovem de meia idade que o visitou em outras visões era Jesus Cristo, que o considerou como sendo o seu irmão mais velho. E Hung se proclamou como o irmão mais novo de Jesus e que tinha sido enviado por Deus à terra, a fim de erradicar os demônios e os cultos demoníacos.
Hung, no entanto, não fez nada com estas visões até sete anos mais tarde, quando ele começou a estudar com Issachar J. Roberts, um ministro batista do sul que lhe ensinou tudo que sabia sobre o Cristianismo. Com o Cristianismo de Roberts, Hung e alguns parentes mais outros seguidores formaram uma nova seita religiosa, que se chamava Os Adoradores de Deus, que dedicou-se à destruição de ídolos na província de Cantão.
O movimento atraiu muitos seguidores por uma variedade de razões. Historiadores ocidentais defendem que a fome dos anos 1840 inspirou os chineses a se juntarem a vários movimentos que obtinham sucesso em alimentar as pessoas e a cuidar de si próprias. E os historiadores chineses salientam especialmente a retórica anti-manchu de Hung no início daquele movimento. Enquanto a seita dos Adoradores de Deus foi dedicada à destruição dos ídolos e à erradicação dos cultos religiosos considerados como demoníacos, os membros daquela seita sentiram que os governantes manchu foram os principais propagadores daqueles “cultos demoníacos”. Na filosofia de Hung, no inicio ele parece ter chegado à conclusão de que a derrubada dos Manchus iria ajudar a trazer o Reino do Céu para a Terra.
Dizendo-se inspirado por Deus e Jesus Cristo, ele compôs uma ideologia eclética que combinava elementos da antiga filosofia taoísta (pré-confuciana) com crenças herdadas do cristianismo protestante. Com base nisso, idealizou uma sociedade utópica, na qual os camponeses possuiriam e trabalhariam a terra em comum. Nessa sociedade ideal, inspirada num passado lendário, a escravidão, a tortura policial, os casamentos arranjados, o concubinato, o consumo de ópio, a idolatria e outros costumes da China Imperial, como o cruel hábito de enfaixar e comprimir os pés das mulheres, seriam abolidos.
O movimento, no entanto, não se revoltou de forma aberta até que o governo começou a hostilizar sistematicamente os membros da seita. Combinada com a sua crença de que o Reino dos Céus seria criado por sobre as ruínas do governo Manchu, os militantes dos Adoradores de Deus também foram organizados militarmente para destruir e eliminar os cultos demoniacos. No final dos anos 1840, Hung reorganizou o seu movimento em uma organização militar. Ele e outros dirigente começaram a constituir uma grande reserva financeira (todos os crentes tiveram que dar as suas propriedades e os bens para o movimento), consolidação de forças, e estabelecer-se um comercio de armas.
Num país em crise, Hong logo atraiu milhares de seguidores. Seus adeptos eram pessoas que se opunham às profundas desigualdades sociais, aos costumes opressivos, à rapinagem colonialista e à odiada dinastia Manchu. Incluíam não apenas operários e camponeses que aspiravam por um mundo melhor, mas também membros de antigas sociedades secretas, descontentes com as humilhações que os “estrangeiros” manchus e o colonialistas ocidentais estavam impondo à China. Essas multidões se organizaram num exército revolucionário.
Em dezembro de 1850, Hung foi atacado por forças governamentais e, uma vez que tinha passado bastante tempo se preparando para a guerra, ele revidou com sucesso o ataque. Em 1851, Hung declarou que um novo reino tinha sido estabelecido, o Reino da Paz Celestial, ele foi aclamado como o “Rei Celestial” e a Era Taiping, ou “Grande Paz”, havia começado.
O Reino da Paz Celestial foi um Estado Teocrático tendo o Rei Celestial como Absoluto Monarca. O seu objetivo, tal como estava implícito em seu nome, foi a realização da paz e de prosperidade na China, com todas as pessoas a adorar um único deus e apenas um só. Consistia de uma única hierarquia que assumiu todas as obrigações administrativas, religiosas, e as militares. O movimento criou um programa radical de reformas econômicas na qual todas as riquezas foram igualmente distribuídas a todos os membros da sociedade.
A própria sociedade de Taiping seria uma sociedade sem classes, sem distinções entre as pessoas, e todos os membros da sociedade Taiping eram “irmãos” e “irmãs” com todos os direitos e deveres tradicionalmente associados a essas relações na sociedade chinesa. Uma  das consequências sociais e econômicas dessa igualdade de homens e mulheres, muitos postos administrativos no novo Reino foram atribuídos as mulheres Esta reforma econômica e social, combinada com a seu apaixonado nacionalismo anti-manchu, fez do Reino da Paz Celestial um poderoso ímã para todos os chineses que sofriam com os problemas e as catástrofes do século XIX.
A Rebelião
De uma perspectiva militar, a rebelião teve um começo impressionante. O exército em si foi totalmente disciplinado, e também, após se iniciar em rituais, os crentes de Taiping foram fanaticamente disciplinados e se tornando soldados dedicados, dispostos a morrer sem hesitação em nome de Deus pela destruição das contra-forças demoníacas. O exército Taiping percorreram o norte através do vale central de Yang-tze até Nanquim. Em muitos sentidos, no entanto, este dramático progresso dos Taipings explica porque perdeu tão facilmente, apesar de seu impressionante início. O motivo central é que foi avançando tão rapidamente em que evitou os grandes centros urbanos e, portanto, acabou encontrando pouca resistência. Quando eles conquistavam um território, não fizeram qualquer esforço para consolidar a conquista através da criação de um mecanismo administrativo em vez de percorrerem o norte. Não houve nenhum espaço para a divergência ou discussões na hierarquia militar, e não era só o Rei Celestial que alegava ter ganho a sua autoridade diretamente de Deus, mas os próprios generais militares alegavam também serem guiados por Deus, em uma série de visões. Havia pouco espaço então, para um pensamento estratégico neste tipo de ambiente.
A ocupação de Nanquim pelos Taipings em março de 1853, em que mudaram o nome da cidade para T’ien-ching, ou “Heavenly Capital”. De T’ien-Ching, eles atacaram Pequim, mas o seu exército, depois de fazer rápidos progressos no norte, foi derrotado. Nos próximos dez anos, os Taipings ocuparam-se com conquistas de territórios ocidentais e lutando continuamente para manter o seu território no vale central de Yang-tze. A rebelião passou a oscilar de um lado para o outro, seja uma derrota, seja uma vitória, ou mais uma derrota.
Sob as pressões da guerra e de uma administração ineficiente, o Reino da Paz Celestial lentamente começou a desmoronar. Os líderes do Reino não conseguiram consolidar a sua autoridade nos territórios conquistados, preferindo se pronunciarem nas grandes cidades. Na realidade, a regra dos Taiping eram apenas estendidas sobre as grandes cidades nos territórios conquistados em vez dos próprios territórios. Haviam muito poucos funcionários competentes entre os Taipings, e os esforços para recrutar mais funcionários e intelectuais eram geralmente frustados, por causa dos chineses mais instruídos que estavam profundamente perturbados pela natureza teocrática do Estado e pela falta de educação entre os seus dirigentes.
Mais significativamente, a administração Taiping começou a se desintegrar quando Hung se retirou da participação ativa nos assuntos administrativos e militares. Acreditando que a regra já valia por si mesma pela sua força divina por ser um Rei Celestial, e não através do seu envolvimento ativo na política. Na verdade, parece que a personalidade de Hung se tornou progressivamente mais desequilibrada. Ao invés de dedicar-se à força divina, ele mergulhou nos prazeres sensuais e luxuosos do palácio e aos prazeres sexuais do harém de mulheres que ele tinha coletado pelos territórios conquistados. A saida de Hung da administração Taiping, enviou inúmeras rachaduras no Reino da Paz Celestial.
Incapaz de enfrentar sozinho os rebeldes, o governo imperial apelou às potências colonialistas. Estas preferiram apostar suas fichas numa dinastia decadente, que apesar de se opor à presença ocidental no final sempre capitulava, a arriscar seus polpudos interesses com o eventual triunfo da Rebelião Taiping. Tropas britânicas e francesas e aventureiros americanos vieram em socorro do exército imperial. O radicalismo das reformas propostas pelos rebeldes, seus ataques à tradicional moral confuciana (que legitimava a tríplice submissão do jovem ao idoso, da mulher ao homem e do servo ao senhor) e sua tolerância frente às sociedades secretas assustavam as classes abastadas, impedindo que o movimento ampliasse sua base social.
Em 1864, o Reino da Paz Celestial estava chegando ao fim. As forças chinesas tinham ameaçado T’ien-ching durante meses, quando Hung e seu grupo central fugiram para o sul. E Hung acreditava que Deus iria defender Taiping, mas em junho de 1864, ele parece ter perdido a certeza da proteção de Deus e envenenou-se. As forças imperiais descobriram o seu corpo, envolto na cor do imperador, amarelo, e o despejaram em um esgoto sob a cidade. Com um custo de cerca de trinta a cinqüenta milhões de vidas ao longo de um período de vinte anos, a Paz Celestial tinha chegado ao fim.
As Conseqüências
É comum a sociedade se apegar a valores espirituais na tentativa de encontrar a solução dos seus  problemas. Mesmo na China, um país embebido pelo Taoísmo e Confucionismo, não foi diferente, até o cristianismo havia penetrado no país e se misturado à religião oficial.
A revolta dos Taiping marcou profundamente a história chinesa e inspirou um ciclo de revoluções que marcaram o país nos anos seguintes. Dentre elas, podemos mencionar a Reforma dos Cem Dias, que pretendia imprimir a modernização na administração imperial e a Revolução dos Boxers, cujo caráter era xenófobo e violento, tendo como objetivo principal, eliminar os estrangeiros do país. Tanto a Reforma dos Cem dias quanto a Revolução dos Boxers, foram tentativas de uma solução imperial e conservadora para a crise chinesa, porém, ambas não tiveram êxito.
Logo o ideal revolucionário republicano ganhou terreno e se espalhou pelo país. Um novo sentimento nasce no povo chinês: o nacionalismo, e este começa a mudar os rumos da sua história. Em 1911, nacionalistas chineses, liderados por Sun Yat-Sem, chefiaram uma revolta que derrubou o imperador e proclamou a República. Sun Yat-Sem foi o fundador do Kuomintang – O Partido Nacionalista. Ele sonhava com um Estado democrático, que estimulasse a modernização econômica da China. Porém, Sun Yat-Sem não dispunha de um exército capaz de assegurar as conquistas revolucionárias e seu sonho nacionalista foi esmagado por uma série de arbitrariedades do chefe militar Yuan Shikai, obrigando-a se afastar do país.
Em quatro de Maio de 1919 explode uma fervorosa manifestação estudantil contra o imperialismo e o feudalismo chinês, cujo ponto alto foi a rendição do governo chinês frente ao Tratado de Versalhes, que não conseguiu de volta os territórios conquistados pelo Japão, Inglaterra e França na 1ª Guerra Mundial.
Esta manifestação trouxe Sun Yat-Sem ao poder novamente. O movimento de Quatro de Maio foi também conhecido como Movimento da Nova Cultura e se tornou o estopim que faltava para desencadear a Revolução Chinesa. A fundação do Partido Comunista da China (PCC) foi conseqüência direta do Movimento Quatro de Maio e é nela que entra em cena a figura de Mao Tsé-Tung.
Seus integrantes se tornariam, mais adiante, os principais opositores do Kuomitang (Partido Nacionalista). O problema entre nacionalistas e comunistas começou com a morte de Sun Yat-Sem e a ascensão de Chiang Kai-Chek ao poder. Em abril de 1927, Kai-Chek rebelou-se contra os comunistas, assassinando muitos de seus líderes. A revolução sonhada por Sun Yat-Sem só veio através do PCC (Partido Comunista Chinês) liderado por Mao Tsé-Tung que assumiu o poder em 1949, proclamando a Republica Popular da China.

FONTE:
            
God’s Chinese Son on the internet
The Land System of the Heavenly Kingdom
Nanjing Taiping Museum
Frederick Townsend Ward

Chinese Sources for the TAIPING REBELLION
Sino Japanese War 1894-5


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