André Petry
Desde que se espalhou a notícia extraída do censo demográfico do IBGE de
2000, Nova Ibiá, vilarejo de 7 000 habitantes no interior da Bahia,
ganhou um estigma e uma obsessão. Como os números do censo mostravam que
59,85% dos seus habitantes diziam não ter religião alguma, Nova Ibiá
passou a conviver com o estigma de ser a cidade mais atéia do Brasil. Em
nenhuma outra, em ponto algum do país, tanta gente dizia não ter
filiação religiosa. A segunda cidade com a maior tropa de sem-religião
era Pitimbu, no interior da Paraíba, mas com números mais modestos –
42,44%. Desde então, a obsessão de Nova Ibiá é livrar-se do estigma do
ateísmo. "Conheço dois ou três ateus, e só. Isso não é verdade", diz
Raimundo Santana, bispo da Igreja Batista, atualmente ocupado em
preparar os festejos do ano que vem, quando sua igreja completará 100
anos na região. "Não acredito nisso, nunca ninguém aqui me disse que não
tem religião", reforça Albervan da Silva Cruz, o primeiro padre a
residir em Nova Ibiá. "A cidade mais atéia? Não é verdade", sentencia o
prefeito José Murilo Nunes de Souza, de 41 anos, com a autoridade de
quem confessa, meio a contragosto, que se criou católico, mas não tem
religião.
Os
porta-vozes de Nova Ibiá, um povoado que fica nos confins da falida
zona cacaueira da Bahia, estão em harmoniosa sintonia com a maioria dos
brasileiros. No maior país católico do planeta, no país do sincretismo
religioso, no país onde católicos têm benzedeira e evangélicos vão a
sessões espíritas, no país que alega, num misto de gracejo e esperança,
ser a terra natal de Deus, o Todo-Poderoso, quase nada é pior do que ser
ateu. Uma pesquisa encomendada por VEJA, realizada pela CNT/Sensus,
mostra que 84% dos brasileiros votariam em um negro para presidente da
República, 57% dariam o voto a uma mulher, 32% aceitariam votar em um
homossexual, mas – perdendo de capote – apenas 13% votariam em um
candidato ateu (veja quadro).
Pior que isso só o capeta. O levantamento mostra que, entre os grupos
populacionais que se convencionou chamar de minorias – racial, sexual ou
de gênero –, a minoria mais rejeitada é a religiosa, ou a
anti-religiosa. No Brasil de São Frei Galvão, portanto, ser temente a
Deus é mais do que uma marca nacional – chega a ser, informa a pesquisa,
um imperativo social.
Às
vésperas do Natal, quando 2,1 bilhões de cristãos vão comemorar os 2
007 anos do nascimento de Jesus Cristo, os católicos brasileiros seguem
diminuindo ano após ano, como vem acontecendo desde 1940, mas ainda
formam uma estupenda multidão: são quase 74% da população brasileira – o
que equivale a mais de 130 milhões de fiéis. Com alguns disciplinados e
praticantes e muitos displicentes e relapsos, os católicos do Brasil,
com seu número espetacular, mostram o vigor da crença divina, a pujança
da fé, a robustez de Deus – uma potência curiosamente dotada de todas as
qualidades inversas às da humanidade, que é criada (e Deus é incriado),
que é limitada (e Deus é ilimitado) e que é mortal (e Deus é imortal).
Os números da fé no Brasil talvez sirvam como explicação para dois
fenômenos. Explicam a resistência da religiosidade em um mundo marcado
pela descrença e, ao mesmo tempo, o notável preconceito da maioria dos
brasileiros em relação aos ateus. Faz sentido rejeitar alguém apenas
porque não acredita em Deus?
"Faz
todo o sentido", afirma a historiadora Eliane Moura Silva, professora
da Universidade Estadual de Campinas e especialista em religião, ela
própria uma atéia. "O brasileiro ainda entende o ateu como alguém sem
caráter, sem ética, sem moral." É um entendimento que parece espalhar-se
de modo mais ou menos homogêneo por todas as classes sociais.
Recentemente, a historiadora deu duas aulas sobre ateísmo na Casa do
Saber, instituição criada para eliminar lacunas intelectuais dos
endinheirados de São Paulo, e a platéia teve uma reação adversa, quase
hostil, às idéias ateístas. Antes, a neurocientista Silvia Helena
Cardoso, doutora em psicobiologia pela Universidade da Califórnia, em
Los Angeles, publicou um artigo num jornal de Campinas discutindo se os
santos seriam esquizofrênicos, dada a freqüência com que tinham visões –
ou alucinações. Recebeu tantas ameaças que resolveu abandonar o
assunto. O professor Antônio Flávio Pierucci, da Universidade de São
Paulo, especialista em sociologia da religião, explica o fenômeno: "Os
brasileiros não estão habituados a se confrontar com a realidade do
ateu". É o que leva os políticos – antes, durante e depois da eleição – a
sempre dizer que ninguém é mais temente a Deus do que eles.
Fotos Gregorio Borgia, Ali Jarekji / Reuters, Steve Cole / Getty Images / Royalty Free |
DO SANGUE E DA FÉ
Católicos se reúnem na Praça de São Pedro, em Roma(acima),
e muçulmanos se encontram em Meca, na Arábia Saudita: os ateus nasceram
junto com a primeira religião e, hoje, denunciam que, por trás da
crença em Deus, há um rastro de violência e barbárie |
Reuters
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Em
maio passado, o instituto Datafolha fez uma pesquisa sobre
religiosidade por ocasião da visita ao país do papa Bento XVI. A
pesquisa relevou a dimensão impressionante da fé brasileira: 97%
disseram acreditar na existência de Deus, 93% informaram crer que Jesus
Cristo ressuscitou depois de morrer crucificado e 86% concordaram que
Maria deu à luz sendo virgem. Com números tão possantes, não há dúvida
de que o Brasil figura entre os países mais crédulos do mundo – e isso
abre um paradoxo. São cada vez mais abundantes as descobertas
científicas sobre a origem do universo e das espécies. Se a credulidade
não se abala diante disso, é lícito questionar que talvez nenhuma prova
científica, por mais sólida e contundente, seja capaz de reduzir a pó o
teísmo, a crença no divino (veja reportagem) "O último deus desaparecerá com o último dos homens", diz o filósofo francês Michel Onfray, em seu Tratado de Ateologia,
sucesso retumbante com mais de 200.000 exemplares vendidos na França.
E, ateu convicto, ele alfineta: "E com o último dos homens desaparecerão
o temor, o medo, a angústia, essas máquinas de criar divindades".
Antes
que o último homem se vá, percebem-se aqui e ali sinais de que a
religião, em que pese seu vigor, começa a perder público – no Brasil,
inclusive. De 1940 a 1970, a turma dos brasileiros sem religião ficou
praticamente do mesmo tamanho, atolada em menos de 1% da população. Nas
últimas três décadas, saltou de 1,6% para 7,3% (veja gráficos e mapa).
Os sem-religião já são o terceiro maior grupo, atrás de católicos e de
evangélicos. Pelos dados do último censo, os sem-religião eram 12,5
milhões, mais que um Portugal inteiro. Não são todos ateus, é claro.
Entre eles, há agnósticos, secularistas, céticos e até quem acredita em
Deus, mas não pratica nenhuma religião. O IBGE não pergunta aos
entrevistados se são ateus ou não. Calcula-se, no entanto, que os ateus
sejam uns 2%. Nos Estados Unidos, eles oscilam nessa faixa, mas os
sem-religião de lá chegam aos 15%. No mundo, os ateus são uns 4%. São
poucos, sobretudo se comparados aos bilhões de cristãos, muçulmanos e
judeus, para ficar apenas nas três grandes religiões monoteístas, mas é
uma massa crescente, principalmente nos países desenvolvidos. Na
Espanha, Alemanha e Inglaterra, menos da metade da população acredita em
Deus. Na França, os crentes não chegam a 30%.
Entre
os brasileiros sem religião, a maior curiosidade está na Bahia de Todos
os Santos, terra onde frei Henrique de Coimbra rezou a mítica primeira
missa, em 26 de abril de 1500. A Bahia, que abriga Nova Ibiá e seu
esquadrão de sem-religião, é o terceiro estado com o maior contingente
de brasileiros sem filiação religiosa. E Salvador, entre as capitais, é a
campeã nacional: 18% dos soteropolitanos não têm religião.
Considerando-se o país todo, os sem-religião são mais numerosos entre os
homens e entre os brasileiros com menos de 55 anos. Não se sabe de onde
eles vêm. É provável que venham do rebanho de católicos desgarrados. O
Rio de Janeiro, por exemplo, é o estado menos católico do país e,
simultaneamente, tem o maior pelotão de sem-religião. Também é certo que
boa parte dos católicos está virando neopentecostal. Nas duas últimas
décadas, à queda acentuada de católicos correspondeu uma alta igualmente
acentuada de evangélicos – em especial da Igreja Universal do Reino de
Deus, que, sendo uma voraz sugadora de fiéis e dízimos, se transformou
em potência divina e comercial.
A
raiz do fenômeno que irriga o crescimento de evangélicos e de
sem-religião faz parte da mesma genealogia: os laços étnicos e culturais
de boa parte dos brasileiros estão se desfazendo como resultado da
modernidade – do que a modernidade traz de positivo, como o aumento da
escolarização e a crescente profissionalização de certas camadas
sociais, e do que traz de negativo, como a desestruturação das famílias e
a favelização das metrópoles. "É a religião atuando como solvente", diz
o professor Flávio Pierucci, da USP. Seus números apóiam sua percepção.
Um laço étnico que se desfaz: entre os adeptos do candomblé, credo de
origem africana, 40% são brancos. Outro: nos cultos afro-brasileiros há
cerca de 100.000 negros, e nos cultos evangélicos os negros já são 1,7
milhão. Mais um: os brasileiros que trocam o catolicismo pelo
neopentecostalismo estão dissolvendo um laço cultural e histórico,
substituindo a religião fundadora do Brasil, herança que vem do fundo do
passado colonial, por uma novidade na cena religiosa do país. É aí,
nesse processo de dissolução, que crescem os ateus e os sem-religião.
Por
razões distintas, o ateísmo também é crescente lá fora. Nos Estados
Unidos, o embate entre religiosos e sem-fé ficou mais intenso depois dos
atentados de 11 de setembro de 2001, praticados por dezenove
muçulmanos, e da eleição do presidente George W. Bush, o astro da
direita cristã que se julga interlocutor de Deus. Com os cristãos
conservadores exercendo notável influência em tribunais e escolas, os
Estados Unidos são um caso único entre os países ricos e democráticos.
Nenhum outro tem grau tão elevado de religiosidade – e de radicalismo.
Em 2001, os mais fanáticos líderes religiosos americanos, em vez de
condenar os atentados, disseram que eram uma punição contra um país que
aceitava o aborto e o homossexualismo... Nesse ambiente, a literatura
sobre o ateísmo tem feito barulho e sucesso, como é o caso do biólogo
inglês Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio,do jornalista inglês Christopher Hitchens, que mora em Washington e escreveu Deus Não É Grande, e do filósofo americano Sam Harris, autor de Carta a uma Nação Cristã, um manifesto cortante em defesa do ateísmo (veja entrevista).
Ainda
que sua história seja pouco conhecida, o ateísmo nasceu junto com a
primeira religião, mas só entrou no cardápio das idéias abertamente
debatidas com o advento do iluminismo, no século XVIII. Assim como os
crentes, que se dividem em uma miríade de correntes e denominações, os
ateus de hoje divergem em muitos pontos, mas há alguns consensos. Um
deles é que a moralidade não depende das religiões, e, portanto, um ateu
pode ser ético e bom. A favor da tese está a neurociência, cujas
descobertas já provaram que até os chimpanzés têm noções morais,
sentimentos de empatia e solidariedade – e não rezam nem crêem em Deus.
Outro ponto em que todos os autores sobre ateísmo concordam é que as
religiões produziram (e ainda produzem) notável rastro de sangue. Além
dos exemplos clássicos das Cruzadas dos cristãos ou da expansão islâmica
à base da espada, há exemplos contemporâneos. Na Irlanda do Norte,
protestantes lutam contra católicos. Na Caxemira, são muçulmanos contra
hindus. No Sudão, cristãos contra muçulmanos, que também se confrontam
na Etiópia, na Costa do Marfim, nas Filipinas... Crentes de diferentes
religiões ou denominações guerreiam no Irã, no Iraque, no Cáucaso, no
Sri Lanka, no Líbano, na Índia, no Afeganistão...
É
evidente que a moralidade não é mesmo resultado da religião, mas também
não é resultado de sua ausência. Adolf Hitler (1889-1945), que planejou
dizimar um povo inteiro, se dizia religioso. Josef Stalin (1879-1953),
cujas vítimas fatais podem chegar a 20 milhões de soviéticos, se dizia
ateu. Os religiosos também concordam que a fé já provocou guerras e
violência. Em outubro passado, o papa Bento XVI, num encontro em Nápoles
com lideranças multiconfessionais, conclamou a todos para "reiterar que
a religião nunca poderia ser um veículo do ódio". Mas também se sabe
que as religiões já contribuíram para a paz e desempenham um valoroso
trabalho missionário nas áreas mais miseráveis do planeta. Ninguém pode
afirmar que os deuses, os livros sagrados e as preces são uma criação do
homem, sem nenhuma intervenção divina. Também ninguém pode garantir o
contrário. Sendo assim, enquanto a idéia de Deus, a imagem do menino
Jesus na manjedoura ou o espírito do Natal servirem para confortar e
congregar milhares, milhões, bilhões de seres humanos, é bom que a fé
possa seguir contribuindo para levar paz a homens e mulheres. Incluindo
os moradores da pequena Nova Ibiá.
ONDE FORAM PARAR OS
ATEUS DE NOVA IBIÁ?
Fotos Xando Pereira, Steve Cole/Getty Images/Royalty Free
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SEM PADRE
Sem a presença do padre, católicos fazem a leitura da Bíblia: convite para recrutar mais fiéis |
No
caminho para Nova Ibiá, a cidade baiana onde 60% da população diz não
ter nenhuma religião, há uma igreja abandonada. Cercada por um mato alto
e paredes descascando, a Igreja Nossa Senhora de Lourdes, onde se
celebrava uma missa mensal, não abre mais as portas. Lília Lisboa, que
cuidava do prédio, mudou-se para Salvador e ninguém se interessou em
tomar conta do templo. Quinze quilômetros à frente, já no centro de Nova
Ibiá, diante da praça central, fica a modesta Igreja de São José, o
principal templo católico do vilarejo. Ali, numa noite de segunda-feira,
dezoito pessoas escutavam a leitura da Bíblia sob a luz tênue de uma vela grande e oito velas pequenas. Não havia padre no altar. A leitura da Bíblia era
feita por uma beata, sentada no primeiro banco de madeira. À entrada da
igreja, um cartaz conclamava: "Toda a igreja está feliz com sua vinda.
Quando voltar, traga um convidado".
Apresentada
assim, com igreja abandonada e campanha de recrutamento de fiéis, Nova
Ibiá parece fazer jus à fama de a cidade mais atéia do Brasil. Mas há
algo que não se encaixa. Tudo em Nova Ibiá recende a religião. O
município não tem agência bancária, médico, hospital nem juiz, mas tem
três lan houses – e nada menos que doze igrejas. São três católicas e
nove templos evangélicos, além de um terreiro de candomblé. "Também",
diz o prefeito, José Murilo de Souza, "é mais fácil abrir uma igreja do
que um comércio." Na Igreja de São José, cujo santo é o padroeiro do
povoado, as missas de domingo reúnem 150 fiéis. Dobrando a esquina, a
Igreja Batista de Nova Ibiá, fundada em 1908, recebe 400 pessoas nos
dias mais concorridos – uma enormidade para um vilarejo de 7 000
habitantes. O altar é um móvel de compensado, custou 180 reais logo ali,
na Paloma Móveis, mas o sistema de som, para não perder um único
aleluia, é coisa de 25 000 reais. "Aqui, ou é crente ou é católico", diz
o bispo Raimundo Santana, negro corpulento de 51 anos, casado, quatro
filhos, todos batistas e um já missionário, que há 28 anos comanda a
Igreja Batista de Nova Ibiá.
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COM O BISPO
O bispo Raimundo, em seu templo: o altar é de compensado, custou 180 reais, mas o som é de primeira |
Onde
estão os ateus, os agnósticos, os sem-religião de Nova Ibiá? Há algo
que não se encaixa. Em 1991, o censo do IBGE descobriu que havia 6,35%
de pessoas sem religião na cidadezinha e que 83,35% da população dizia
ser católica. Em 2000, no novo censo, a realidade havia virado de
ponta-cabeça: 59,85% afirmavam não ter religião e apenas 16,02%
diziam-se católicos. Tamanha mudança só se justificaria com uma rebelião
de católicos, mas ninguém tem notícia de um movimento dessa natureza.
Ao contrário. Até fevereiro do ano passado, o padre não morava em Nova
Ibiá. Ia à cidade de vez em quando, para celebrar a missa, e partia.
Agora, o padre Albervan da Silva Cruz mora na cidade e reza muita missa.
Na Igreja Matriz, há missa no domingo, na terça, na primeira sexta de
cada mês e, de quinze em quinze dias, no sábado. Na Igreja de São Roque,
a missa é na quinta. Na Igreja de São Francisco, na zona rural, a missa
é rezada duas vezes por mês, sempre aos domingos. Aos 30 anos, o padre
Albervan é o primeiro pároco de Nova Ibiá, e Nova Ibiá é a primeira
paróquia do padre Albervan. Ali, ele já fez dez casamentos e dá aula de
filosofia para quinze turmas da 5ª à 8ª série da escola pública local.
O
cenário religioso de Nova Ibiá é um retrato em miniatura da realidade
brasileira: os evangélicos crescem, enquanto os católicos lutam para que
seu rebanho não se disperse – ainda assim, a queda vertiginosa de
83,35% para 16,02% de católicos em nove anos é inexplicável. O padre,
rival dos evangélicos, tem uma explicação conspiratória. Diz que ouviu
falar que os pesquisadores do IBGE eram protestantes e, quando um
católico dizia ser católico, mas não praticante, eles cravavam "sem
religião" por conta própria. "Não sei se é verdade", afirma. É
improbabilíssimo que seja, mas é certo que os evangélicos estão ganhando
terreno. De 1991 para 2000, saltaram de 9,69% para 23,65%. O pulo,
conforme o bispo Raimundo Santana, deu-se em 1998, quando a Igreja
Batista resolveu "renovar-se", ou seja, passou a acreditar em dons
espirituais e curas divinas. "Eu mesmo não acreditava, mas hoje
acredito", diz ele. "Depois da renovação, a igreja cresceu muito." De
dízimo, ela recolhe entre 3 000 e 4 000 reais mensais.
O comerciante Idevaldo
Prazeres da Silva, de 50 anos, é um dos convertidos. Era católico, há
nove anos virou evangélico, tem um irmão pastor e está lendo a Bíblia pela
quarta vez. Veste uma camiseta na qual se lê: "Em Deus tenho posto
minha confiança". Da loja de material de construção de Idevaldo da
Silva, sobe-se uma ladeira para chegar à casa do único ateu identificado
de Nova Ibiá. Ateu? Não, ele diz que não, que é católico há anos e
perdeu a conta do tempo que freqüenta a igreja. Com a barba por fazer,
mãos levemente trêmulas, o ateu enrustido – ou o católico caluniado –
diz que só conhece gente de fé em Nova Ibiá. O bispo Raimundo Santana,
com sua experiência de quase três décadas pregando, garante que há
outros dois ateus no vilarejo, mas não os identifica. Porque um está
indo a um centro espírita e abandonando o ateísmo. O outro está dando os
primeiros passos para aderir à igreja do bispo. Ele não quer estragar
essa peregrinação rumo à fé revelando quem são. Acredita que em breve
Nova Ibiá não terá nem ateus nem materialistas – e explica, com sua
metafísica peculiar, a diferença entre um e outro: "Ateu não acredita em
nada, materialista só acredita no que pega e vê".
|
(Todos os livros mencionados nesta reportagem estão publicados no Brasil.)
Fonte:
Revista Veja
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