segunda-feira, 20 de junho de 2011
Alguém tem de estar errado
Quando analisamos as doutrinas das maiores religiões mundiais, percebemos que nem todos podem estar certos. Para muitos cristãos, Jesus foi uma espécie de avatar de Deus; Para os muçulmanos Jesus foi mais um na linhagem de profetas, porém apenas homem; Já para certos judeus Jesus não passa de um herege... Nós poderíamos prosseguir com inúmeros exemplos, seja dessas religiões majoritárias, seja de tantas outras doutrinas pelo mundo: Uns afirmam que a teoria de Darwin-Wallace é um equívoco e que a história de Adão e Eva é a descrição mais fiel da realidade do surgimento do ser humano na Terra, enquanto outros aceitam (com ou sem ressalvas) o evolucionismo dentro de sua doutrina; Uns afirmam que Buda atingiu o nirvana e foi o maior sábio a passar pelo mundo, outros desdenham dizendo que a meditação budista não serve para nada; Uns afirmam que é possível se comunicar com espíritos sábios e receber instruções profundas de conduta moral, outros dizem que não passa de misticismo fajuto ou comunicação com entidades demoníacas; Uns afirmam que Deus não pode ter criado o mal e que um inferno eterno não existe, outros fazem ameaças dizendo que aqueles que não aceitam ou temem ao mesmo Deus serão condenados ao inferno; Uns afirmam se comunicar com Deus todos os dias, outros dizem que é impossível termos qualquer tipo de compreensão aprofundada de Deus (se é que ele existe)... É, acho que já deu para ter uma idéia da confusão né?
Decerto existem muitos que gostam de trocar idéias e aceitam (com ou sem ressalvas) a crença ou descrença alheia - Porém há que se admitir que é bem mais fácil encontrar os radicais, em maior ou menor grau, que se tornaram "especialistas" na arte da supersimplificação: ou uma doutrina está totalmente correta, ou totalmente errada. Pior ainda são aqueles radicais que colocaram na cabeça que a sua doutrina, ou a sua verdade, deve ser espalhada pelos sete ventos, pois "certamente todos seriam mais felizes seguindo-na". Pode-se pensar que esse grupo é composto apenas de evangelizadores religiosos; mas não: existem alguns ateistas ou céticos radicais que acreditam piamente que devem "converter" os outros a "luz da razão" - Mas, e quem julga o que é racional, factível, verdadeiro?
Alguns séculos antes do nascimento de Jesus, o método experimental surgia na ilha de Samos, na Grécia. Enquanto o grande Pitágoras descobria os fundamentos da física, da matemática, da geometria, da música e outros conceitos que foram depois classificados como esotéricos, outros sábios da mesma ilha inauguravam o método experimental: observavam a natureza antes de confirmar qualquer teoria, e não mais se limitavam apenas ao campo das idéias (mental). Aristarco de Samos foi uma dos primeiros a prever que a Terra girava em torno do Sol, e não muito longe de Samos, em Alexandria Eratóstenes já provava que a Terra era uma esfera com o auxílio de dois gravetos expostos a luz solar - e de um ajudante dedicado... De lá para cá o método científico avançou de forma avassaladora, hoje a ciência já explica o nascimento do espaço-tempo até seus minutos iniciais, e investiga minuciosamente o próprio código que nos faz humanos - o Genoma.
Mas é o próprio "amigo inseparável" da ciência que afirma que não teremos tão cedo (talvez nunca) o conhecimento completo da realidade - detectada ou não. Os dados corroboram com o ceticismo: é verdade que a gravitação de Newton juntamente com a relatividade especial e geral de Einstein provaram ser capazes de medir com extrema exatidão a órbita da Terra e outros planetas em torno do Sol... Porém, a medida nunca alcança a exatidão máxima, pois é impossível prever os desvios provocados pelos campos gravitacionais de certos planetas minúsculos, luas, cometas, etc. Tudo bem, podemos afirmar que esses desvios serão mínimos; mas em sistemas binários ou trinários, onde temos mais de uma estrela orbitando juntas no centro gravitacional do sistema, ainda é impossível obter uma boa aproximação da órbita desses planetas, pois as equações tornam-se demasiado complexas. Da mesma forma, existe ainda muita coisa acima do céu, e do outro lado do véu, que a ciência não faz ainda vaga idéia de como exatamente funcionam: o problema difícil da consciência, a matéria escura, a unificação das forças fundamentais da natureza, o surgimento da vida na Terra, os diversos fenômenos ditos paranormais que ela não explica mas também não prova como fraude - e, aqui também, a lista seria interminável...
Isso não é ruim. Significa apenas que não obtemos o conhecimento pleno da natureza. Que não podemos bater no peito e dizer: "aqui está, esta é a verdade absoluta!" - Ah meu ver, a vida perderia muito de sua graça se isso fosse possível. Ainda temos muito para descobrir, investigar, compreender, evoluir em nosso conhecimento. Santo Agostinho dizia uma frase profunda, que explica a si mesma: "crer para compreender, compreender para crer." Toda jornada em busca de conhecimento é tão infinita quanto o céu noturno ou o olhar de uma criança recém-nascida. Este é o espanto, isto é o sagrado, é isso que sempre moveu o ser humano e os grandes sábios e gênios da humanidade.
E será que algum deles encontrou a verdade absoluta? Provavelmente não. Buda chegou ao nirvana e Jesus aparentemente tinha uma forte conexão com Deus, mas nenhum deles disse que havia chegado ao final do caminho. "Vocês farão tudo o que faço, e muito mais" - dizia aquele que muitos afirmam ser Deus. Ora, então nosso futuro será extraordinário - seremos deuses, faremos coisas que um deus faz e ainda muitas coisas mais. Para tal, não me parece necessário buscar apenas um caminho, apenas uma doutrina, apenas um sábio. Se é verdade que alguém tem de estar errado, também é verdade que muitas vezes alguém estará certo... Passo a passo, com a pequena vitória de cada um, caminhando juntamente com Newton "nos ombros de gigantes", sem dúvida o futuro me parece bem promissor. Qual é minha religião? Meu pensamento. Qual é minha ciência? Meu bom senso.
Você pode afirmar que "preciso escolher um lado", que "não posso ficar em cima do muro"... Mas eu não me alistei para lutar uma guerra. Eu fui chamado para um banquete de amigos no jardim de Epicuro - a minha felicidade na existência é buscar, é amar a sabedoria. Se por "em cima do muro" você quer dizer que eu não escolhi nenhuma igreja ou comunidade científica para defender... Direi-te que tem toda a razão. Mas acaso o "em cima do muro" signifique que reconheço o ecumenismo de toda crença e toda descrença, a liberdade sublime de cada ser fazer o que quer através da própria vontade, e de toda beleza que existe em tal sistema - então direi-te que estou equilibrado em cima deste muro.
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