O Big Bang não é a única noção da origem
do cosmo compatível com a física atual. A chamada cosmologia quântica
de laços (“loop quantum cosmology”) está acumulando argumentos a favor
de uma segunda possibilidade: que nosso universo tenha surgido do
colapso de um universo preexistente. A teoria chegou agora ao ponto de
maturidade necessária para fazer previsões que podem ser submetidas a
testes experimentais. Caso se confirme, o Big Bang teria sido na
realidade um Big Bounce – um grande rebote -, e o cosmo não viria de um
ponto de infinita densidade, mas de uma sucessão de expansões e
contrações talvez eterna, sem princípio nem fim.
A cosmologia quântica de laços tem a
capacidade, pelo menos em princípio, de iluminar aquelas regiões do
passado onde nem sequer alcança a grande teoria atual do espaço, o tempo
e a gravidade, que é a relatividade geral de Einstein. As equações de
Einstein se desfazem na origem do universo, que por isso constitui uma
“singularidade” matemática, um ponto de densidade infinita que não pode
ser explicado pela teoria da relatividade de Albert Einstein.
A relatividade geral é um dos dois
pilares sobre os quais se baseia a física atual. Outro é a mecânica
quântica. Em traços gerais, a primeira descreve as grandes escalas – o
comportamento de planetas, estrelas, galáxias e suas interações
gravitacionais -, e a segunda atua no mundo subatômico. As duas são
teorias de enorme capacidade de previsão, que superaram as provas
experimentais mais exigentes a que foram submetidas em seus respectivos
âmbitos.
Mas são incompatíveis entre si, e os
físicos testaram duas grandes aproximações teóricas para superar essa
discrepância, isto é, para agrupar a relatividade e a mecânica quântica
sob um âmbito mais profundo, capaz de acolhê-las sem contradições. Uma
delas é a teoria de cordas, e outra a gravidade quântica de laços, na
qual se baseia a nova cosmologia do grande rebote.
A gravidade quântica de laços foi
desenvolvida por Abhay Ashtekar, Lee Smolin, Carlo Rovelli e outros
físicos desde a década de 1980. Sua principal qualidade é que o espaço
não é um contínuo em pequena escala: assim como a matéria e a energia, o
espaço é formado por quantias indivisíveis se o examinarmos muito de
perto.
Cada um desses pacotes de espaço mede
apenas cerca de 10^-35 (10 elevado a menos 35) metros quadrados, uma
magnitude não apreciável nas escalas habituais, mas suficiente para
evitar os paradoxos matemáticos da “singularidade”: espaço zero implica
uma densidade e uma gravidade infinitas na origem do universo, mas se o
espaço não pode chegar jamais a ser zero a gravidade também não tem que
ser infinita ali. Isso permite que as equações da gravidade quântica de
laços explorem as regiões do passado que eram proibidas para a
relatividade de Einstein.
Quando Ashtekar e sua equipe
desenvolveram há dois anos simulações detalhadas por computador do
universo descrito pelas equações da gravidade quântica de laços – quer
dizer, desenvolveram a cosmologia quântica de laços -, ocorreu algo
inesperado. “Fiquei emocionado”, diz Ashtekar no último número da
revista “New Scientist”.
O físico estava observando a simulação
correr para trás no tempo, com o universo se tornando cada vez menor e
denso em energia enquanto se aproximava o momento do Big Bang. Isso era o
esperado. Mas, em vez de desmoronar em um ponto de densidade infinita –
a singularidade do Big Bang -, a simulação do cosmo rebateu e começou a
se expandir de novo. Se as equações estavam corretas, nosso universo
não vinha da explosão de um ponto, mas do rebote de um universo anterior
no processo de compressão: um Big Bounce.
A cosmologia quântica de laços não pinta
um universo eterno salvo por oscilações de tamanho que poderíamos
chamar de “convencionais” em nenhum sentido tranqüilizador. Se a teoria
estiver correta – o que falta verificar -, o universo anterior ao nosso
teria se contraído até alcançar uma densidade monstruosa, de 5×10^96 (5
vezes 10 elevado a 96) quilos por metro cúbico – a chamada densidade de
Planck -, antes de rebater e dar lugar à atual fase de expansão.
Nenhuma civilização poderia sobreviver a
coisa semelhante. O que torna essa teoria notável é sua capacidade de
evitar os infinitos da singularidade, ou para esquivar-se dos paradoxos
matemáticos derivados do espaço zero. No que se refere à metafísica, um
Big Bounce não parece muito diferente de um Big Bang de pleno direito.
E só a gravidade poderia deter e reverter a atual expansão do cosmo para
dar lugar a um novo ciclo cósmico. A matéria do universo não parece ser
suficiente para isso, e a maioria dos modelos continua prevendo uma
expansão acelerada e irreversível.
Nosso cosmo vai rebotar?
Que o universo inverta ou não sua
tendência atual, para iniciar uma compressão que possa conduzir ao
próximo rebote, depende criticamente de dois mistérios profundos: a
matéria escura e a energia escura, que constituem 95% do que existe.
A matéria normal consiste em estrelas e –
sobretudo – gás incandescente situado entre as galáxias que formam cada
cúmulo galáctico. Mas a soma das galáxias com o gás não dá massa
suficiente para manter o cúmulo unido pela atração gravitacional entre
suas partes. Daí a necessidade teórica da matéria escura – 20% do
universo.
O outro mistério, a energia escura que
forma os 75% restantes do cosmo, têm a mais curiosa das histórias na
física teórica. Segundo a relatividade geral – a teoria da gravidade que
Albert Einstein descobriu em 1916 depois de dez anos de luta
intelectual -, os objetos deformam o espaço e o tempo – o espaço-tempo –
de seu entorno, como uma bola de basquete deforma uma cama elástica. Se
houver outra bola rolando pelas proximidades, a deformação fará que
caia em espiral em direção à primeira – e vice-versa. Essas danças
geométricas dos objetos em queda livre pelas curvaturas do espaço-tempo
são a gravidade.
Mas a relatividade geral tinha um
problema grave que Einstein não pôde ignorar: se os acúmulos de galáxias
deformam a cama elástica do espaço-tempo, o universo deveria desmoronar
para baixo. Como em 1916 o universo era estático, Einstein inventou uma
força ou pressão repulsiva – imaginem um ventilador situado embaixo da
cama elástica – que viria compensar as deformações causadas pelas bolas.
Ele a chamou de constante cosmológica e escolheu sua magnitude de
maneira arbitrária e cuidadosa para que o universo pudesse continuar
sendo estático em grande escala.
O artifício de Einstein equivale a pedir
que uma bola fique parada sobre o aro da cesta – não é uma metáfora: a
equação é exatamente a mesma. É quase certo que a bola entrará ou sairá,
e o segundo equivale à expansão cósmica que observamos. A energia
escura – o motor dessa expansão acelerada – parece ser justamente essa
constante cosmológica inventada por Einstein, só que sem o artifício da
cesta. A constante foi descartada por pelo físico alemão – “o maior erro
de minha carreira”, disse – quando se descobriu a expansão do universo,
mas foi recuperada em tempos recentes ao se saber que esta era
acelerada.
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